terça-feira, 7 de abril de 2009
A Justiça que (não) temos!
Ouvimos e lemos quase diariamente nos noticiários que em Portugal a “Justiça” ainda não sofreu as reformas profundas que se impõem, para se tornar mais célere, mais acessível aos cidadãos e eficaz. Na comunicação social e nos debates televisivos são frequentes os artigos de opinião e os comentários mais díspares, de quem não é um dos agentes intervenientes na sua administração, que são os Juízes, Magistrados do Ministério Público, Advogados e Funcionários Judiciais.
Generalizou-se a ideia, errada, de que não tem havido reformas nesta área, ou que a demora na conclusão dos processos se deveu ao excesso de férias judiciais dos Tribunais, tendo esta sido um dos emblemas do actual Governo. É verdade que justiça lenta se traduz em injustiça, em especial quando cidadãos probos e honestos são alvo de processos morosos, que os impedem de fazer valer em tempo útil os direitos que lhes assistem, quer seja para receber indemnizações ou cobrar dívidas, quer seja para provarem a sua inocência que, entretanto, foi posta em causa com a exposição mediática de casos em que foram indevidamente envolvidos, em violação do segredo de justiça, que em teoria os deveria proteger.
Reformas têm havido, e muitas, mas não as suficientes. Vivemos na era das novas tecnologias e da extrema mobilidade de negócios e de capitais, que não se compadece com o desenrolar de procedimentos e formalismos criados nos anos 40 do século XX, vigentes ainda hoje e que são completamente obsoletos.
Convenhamos que é difícil de entender ao cidadão comum que um julgamento iniciado há mais de quatro anos, envolvendo sete arguidos, ainda não tenha conhecido a sentença da primeira instância, sendo imprevisível quando conhecerá o veredicto final, após todos os recursos possíveis. Que autarcas acusados de variados crimes, desde corrupção passiva, abuso de poder ou peculato, venham a ser absolvidos, à semelhança do que sucede com dirigentes desportivos, acusados de corrupção activa desportiva. Que o segredo de justiça seja sistematicamente violado e que a comunicação social divulgue os pormenores de processos que ainda estão em investigação e a que apenas um grupo restrito de intervenientes processuais tem acesso. Que um homicida confesso tenha ficado em liberdade após ter assassinado a mulher. Que um empresário acusado do crime de corrupção activa, para tentar obter um tratamento mais favorável num negócio muito rentável, tenha sido condenado no pagamento de uma multa de cinco mil Euros. Que investigadores sejam afastados de processos antes de terminadas as averiguações que estavam a conduzir com empenhamento e quiçá em prejuízo do seu próprio tempo de lazer. Que a pena aplicável a quem tem mais poder económico e alicie outrem a fornecer informações que o possa beneficiar, ou a praticar um acto que lhe seja favorável para determinado negócio, a troco de alguma compensação (refiro-me em concreto aos crimes de corrupção activa e corrupção passiva), seja menor do que a pena aplicável a este. E os exemplos repetem-se quase infinitamente.
Por outro lado, pouco se comenta que em muitos tribunais os juízes têm a seu cargo milhares de processos, que muitos destes são extremamente complexos e requerem tempo para serem estudados, que não têm assessores que os libertem de demoradas pesquisas legislativas. Que os funcionários estão descontentes com o excesso de serviço, que para ser mantido em dia requer que trabalhem fora de horas, sem a justa compensação. Que há excesso de garantias para com os arguidos, tendo-se reduzido substancialmente a prisão preventiva. Que nos últimos anos se registou um acréscimo exponencial de processos para cobranças de dívida de operadoras de telemóveis, e de instituições bancárias, ou de empresas financeiras. Que algumas leis (mais recentes) estão redigidas de forma incongruente ou são tão complexas (apesar do dito simplex) que quase não produzem efeitos úteis, como, por exemplo, o “Novo Regime do Arrendamento Urbano”, que foi outra das bandeiras do Governo.
E que dizer de Juízes em início de carreira, acabados de sair dos bancos da Universidade e do C.E.J. (Centro de Estudos Judiciários) sem experiência da vida real que, sentindo-se investidos de um dos poderes que nos governam, por vezes aplicam a lei com mão excessivamente pesada e uma frieza que chega a ser revoltante, para “esconderem” a sua própria insegurança ?
Ou de Advogados que, numa atitude de novo-riquismo, se deixaram deslumbrar com a fama que certos casos mediáticos lhes trouxeram e assumem atitudes verdadeiramente mercantilistas, pouco se preocupando com a aplicação da Justiça e, até, cometendo eles próprios crimes de toda a ordem? Certamente está na memória de todos aquele antigo dirigente de um dos grandes clubes desportivos de Lisboa, que agora reside principescamente em Londres … E das grandes sociedades que integram centenas de jovens licenciados, a trabalhar em regime intensivo, apenas num determinado tipo de processos, deixando-os inaptos ou sem preparação para outros processos, e que acabam por ser facilmente “dispensados”, em especial as Advogadas grávidas?
Não poderia deixar de assinalar o excesso de licenciados em Direito - formados em Universidades que proliferam pelo País, quantas vezes em cursos nocturnos, cujos docentes não são propriamente Professores Catedráticos, nem Investigadores - que optam por exercer a Advocacia, agindo frequentemente sem o sentido ético que deve reger esta profissão, dando azo a que se tenha quase generalizado a convicção de que ser Advogado é ser desonesto.
Também merece registo a subjectividade da interpretação da Lei e sua aplicação efectiva. Quantas vezes uma das partes intervenientes num processo, descontente com o resultado, interpõe recurso e a decisão seguinte é de sentido totalmente contrário! No entanto, a Lei é a mesma, tendo variado a interpretação que lhe foi dada.
Esta abordagem não é exaustiva, naturalmente, mas permite elencar alguns dos aspectos que em geral não são referidos e certamente contribuirá para suscitar nos leitores deste blogue um debate salutar.
A.M.B.S.
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