segunda-feira, 27 de abril de 2009

CONVERSAS FÚTEIS (cont.)

Cena C Tinham passado trinta e cinco anos. Cornélia já perdera no tempo a capacidade de descortinar com nitidez os traços fisionómicos de todos aqueles que, ano após ano, desciam a Avenida da Liberdade integrados naquela fiel multidão que jamais deixaria de celebrar a Revolução de Abril. Todos os anos se apresentava em Lisboa, vinda da Messejana, e ainda mal raiara o dia já ela estava no Largo da Vila para marcar lugar no autocarro que a Câmara cedia para o transporte dos manifestantes. Trazia o farnel e, como sempre, era partilhado pelos outros parceiros de viagem que, entre todos, montavam um verdadeiro intercâmbio gastronómico que resultava numa excelente refeição alentejana. A Micas, o Gregório, o Laureano, a Umbelina, a Francisca e o Joaquim, bem como a gente do Monte do Sobreiro vinham desde 1975. Pelo caminho, era um soar de risada e de toadas alentejanas fazendo com que a viagem se encurtasse e a distância se reduzisse apenas a uma simbólica meia légua. O Humberto já se fora e a graça das anedotas perdera o seu melhor representante. Os cabelos do Gregório tinham encanecido, mas agora era o mais vivaço e atrevido nas graçolas, fazendo esquecer a vaga deixada pelo outro grande companheiro. - Então, minha gente, sabem que o nosso primêro foi chamado de playboy? - lançou Gregório. - Mas que é isso? - questionou o Laureano – Será que o home já nem é português! - , ! O que dizem é que o home brinca que nem um rapaz, Play boy!- esclareceu Gregório. - Nada disso. A questão é que o home gosta de vestir bêm. Ele até vêm nas revistas com a namorada. Todos muito bêm arranjados e com roupas muito caras. Eu vi no cabelêrêro. – acrescentou Cornélia. - Ah! Mas a namorada tem cá uma pênca que lhe estraga a cara e a roupa! Valha-a Deus. Muito mal empregadinho. – continuou Umbelina. - Pois é, mas a gente nunca mais tem sossego. Só miséria e nem com trabalho nos safamos. Que nos interessa ter um playboy se não nos ajuda, o que muda é para pior e serve para nós porque estamos cada vez mais desgovernados. – vociferou Joaquim. - O nosso camarada chefe é que chega para eles. As verdades saem sempre dirêtinhas daquela boca. E nêm quer saber se é o primêro ou o segundo. Ele quer é tratar de nós que sêmos gente e povo. - retorquiu Laureano. - Mas olha que eles têm-lhe medo. Já nêm falam em cassette como no tempo do falecido Cunhal. – declarou Joaquim. - Tem graça camarada. Não é que me lembra de alguêm dar com o cacete no falecido. Ele era tão destemido e valente. – contrapôs Laureano. - Lá isso que era, era! - concluiu Cornélia. MJVS

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