sexta-feira, 10 de abril de 2009

A GUERRILHA EM PORTIMÃO

Portugal entra no século XIX com o pé esquerdo, como se costuma dizer. Primeiro, as três invasões francesas, com o seu cortejo de mortos, mutilados, roubos e depredações precedidos pela precipitada fuga da Corte para o Brasil, transformando assim, formalmente, o reino em colónia brasileira. Segue-se à expulsão dos franceses graças à ajuda britânica, após o que, os ingleses se deixaram por cá ficar. Porém, a governança despótica e sobranceira do Marechal Beresford, revelou-se tanto ou mais nefasta para o país, que os desmandos antes cometidos pelos franceses. Neste meio tempo, a Corte recusava-se a regressar do Brasil, embalados pelo cálido clima e pela doçura das baianas. Os portugueses, esses, na mãe pátria, sentiam-se órfãos pela falta dos soberanos, exigindo por isso, o seu regresso. O comércio definhava e as condições de vida dos portugueses agravavam-se. Intentaram-se várias revoltas contra o domínio inglês, sempre ferozmente sufocadas, das quais, a mais grave, culminou com o enforcamento do Marechal Gomes Freire de Andrade, militar de prestígio e figura nacional, junto da fortaleza de S. Julião da Barra em Poeiras, juntamente com outras prestigiadas personalidades portuguesas, em 1817. As revoltas e descontentamento irão conduzir Revolução Liberal, em 1820, iniciada a partir do Porto, tendo como base o Sinédrio, composto de patriotas notáveis. Esta Revolução constitui um dos mais importantes marcos da História de Portugal, cujos reflexos se fazem ainda hoje sentir. A 4 de Julho de 1821 a família real decide regressar a Portugal, tendo o rei jurado as bases da nova Constituição. A 7 de Setembro do ano seguinte dá-se um acontecimento que abalou profundamente o sentimento nacional: a independência do Brasil, proclamada pelo príncipe D. Pedro, aclamado como Imperador em 12 de Outubro. A promulgação da Constituição Liberal em 23 de Setembro de 1823, afasta-se frontalmente do regime absolutista e institui um sistema de poderes tripartido (poder executivo: rei e ministros, poder legislativo: cortes, poder judicial: tribunais), prevê ainda a liberdade de expressão, liberdade individual e a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, entre outras medidas progressistas. A reacção desencadeou-se de imediato, iniciando-se um processo de revoltas e golpes de estado, tendo como promotor o príncipe D. Miguel, filho do rei, que encarnava os partidários do regime absolutista e que irá culminar com a tentativa de afastamento de seu pai D. João VI, de acordo com a sua mãe, a rainha Dª. Carlota Joaquina. Frustado o golpe de estado de afastamento do rei, D. João VI decreta o exílio de seu filho para Viena de Áustria. A 2 de Maio de 1926, abdica da pretensão à coroa portuguesa em favor de sua filha Dª. Maria da Glória, uma criança, na condição de esta vir a casar com seu tio D. Miguel, o qual aceita e regressa a Portugal, jura a Carta Constitucional e assume a regência do reino, adoptando em breve, na prática, o exercício do poder absoluto. Em consequência, desencadeia a repressão contra os adeptos dos ideais liberais que ainda não haviam saído do país e que se traduziu por um cortejo sem fim de prisões, fuzilamentos, enforcamentos e por aí fora. Estava instalado o clima de terror. A situação insustentável em que o país havia caído, levou o Imperador D. Pedro a abdicar da coroa do Brasil no seu filho D. Pedro de Alcântara e a vir para a Europa em 1832 lutar contra o seu irmão D. Miguel, em nome da Carta Constitucional e dos direitos da sua filha Dª Maria da Glória. Assim, em 8 de Julho desse ano, desembarcava perto do Porto, no Mindelo, com exército de cerca de 8000 homens e assume a regência do reino em nome da sua filha. A partir de então, o país entrou em guerra civil entre liberais e absolutistas, que durou até 26 de Maio de 1834, data em que é assinada a Convenção de Évoramonte que pôs termos ao conflito. O saldo foi um enorme cortejo de morte e destruição que deixou o país na ruína. Porém, o armistício não significou o fim do ódio entre portugueses. A sociedade portuguesa encontrava-se profundamente dividida e os seus reflexos irão fazer-se sentir durante muitas décadas. É durante a guerra civil que surge no Algarve um partidário de D. Miguel, que à frente de um “exército” de guerrilheiros, fez a “vida negra” às tropas liberais e à população da região, chamava-se ele José Joaquim de Sousa Reis e tinha por alcunha o “Remexido”, natural de Estômbar, ex-seminarista, a viver em S. Bartolomeu de Messines onde se havia casado e era abastado proprietário. Assim, ia a guerra civil a meio, quando no dia 24 de junho de 1833 desembarcou em Cacela o Conde Vila Flor (mais tarde Duque da Terceira), a fim de sublevar o Algarve no sentido da ordem constitucional contra o poder miguelista, marchando de caminho para Lisboa. O governador do Algarve, Visconde Molelos, em nome de D. Miguel, por cobardia, porque não confiasse nos seus homens, ou outra qualquer razão que nos escapa, fugiu para Almodôvar. Desta forma as tropas constitucionais não encontraram resistência à sua passagem. Logo após este episódio, o Remexido recebeu ordem das forças miguelistas para iniciar a guerrilha de resistência aos liberais a partir de S. Bartolomeu de Messines, onde chegou no dia 19 de Julho desse ano. Conhecedor dos movimentos do Remexido, organizou-se um grupo de voluntários liberais saídos de Lagos para proteger o depósito de víveres de Silves, tendo desembarcado na Mexilhoeira da Carregação onde se lhes reuniu o barão de Faro, General Tomás Cabreira. Ao saber que o Remexido se encontrava em Alcantarilha, Cabreira dirigiu-se ao seu encontro para o combater, porém, ao chegar a Lagoa, avistou a descer, para as bandas de Porches, os homens do guerrilheiro, numericamente superiores à sua hoste de voluntários. Não confiando nestes, mal armados e sem treino militar, retirou em debandada, atravessou o rio Arade, comunicou o seu pânico à população de Portimão e continuou a fuga até se acoitar à segurança das muralhas de Lagos. Entretanto, o Remexido, conhecedor desta situação, avançou cautelosamente para Portimão, que pensava ter uma forte guarnição armada a travar-lhe o passo. Pelo caminho, foi aclamado com vivas a D. Miguel, o que não obstou a que os seu homens cometessem vários roubos e atentados por onde iam passando. Ao entrarem em Portimão, a vila entrou em verdadeiro estado de anarquia provocado pelas perseguições e pilhagens dos homens do caudilho. Chegados ao Alvor, prenderam imensos liberais, entre eles, André Furtado, que após transitarem pela cadeia de Portimão, foram enviados para Albufeira, onde foram fuzilados pela escolta que os conduziu, junta à Igreja de S. Sebastião. Depois de assediada pela guerrilha miguelista, a vila de Albufeira capitulou, tendo morrido 74 pessoas e ficado arrasadas a maioria das casa nobres. Entretanto, os morticínios do Remexido continuavam. Desta forma, a 30 de Julho, foi assassinado na sua quinta em Alvor, o Dr. José de Almeida Coelho, pessoa muito estimada na vila. No caminho de Lagos, os guerrilheiros assassinaram um médico muito considerado em Portimão, o Dr. José Nunes Chaves. Um arruaceiro das forças do Remexido, de seu nome José de Oliveira, conhecido pelo “Trovoada”, natural da Madeira, instalou-se com um grupo de apaniguados no palacete do assassinado Dr. José de Almeida Coelho e dali expedia ordens de prisão, mortes e pilhagens. Porque as atrocidades fossem muitas ou por qualquer outra razão, o Remexido, posto ao corrente das tropelias do seu correligionário, mandou fuzilá-lo no mesmo local em que haviam fuzilado o Dr. Chaves. Nesse mesmo dia, numa atitude magnânime, mandou soltar os presos e proteger a família do Dr. José de Almeida Coelho. Entrementes, o caudilho ainda não havia conseguido conquistar Lagos, dada a resistência organizada pelos liberais, e as forças constitucionais que coordenavam esforços no sentido de desbaratar as forças miguelistas, mais uma vez sofreram uma pesada derrota no Vale da Mata, próximo de S. Marcos da Serra, numa emboscada chefiada pelo guerrilheiro. O Batalhão em debandada, sempre perseguido pelos miguelistas, chegou nessa noite a Silves, onde, reforçados com cerca de cem soldados que ali encontraram, marchou para Portimão, vila que tinha visto a sua população aumentada com refugiados de Lagos. A população, animada pelo comandante do navio de guerra Faro, João Caetano de Bulhões Leotte, que se encontrava fundeado no rio Arade, reforçou as defesas cavando fossos, guarnecidos com a artilharia das fortalezas de S. João Baptista e de Santa Catarina. Nesse ínterim, as tropas de D. Miguel, reforçadas na serra com 1000 ordenanças, muitos montanheiros, mulheres e animais de carga prontos a carregarem o saque, arrancaram para Portimão, onde à uma hora da tarde do dia 24 iniciaram o ataque à vila, cuja resistência não conseguiram vencer. Repetido o ataque no dia seguinte, os atacantes retiraram para Silves. De preciosa ajuda à população de Portimão, foi o navio de guerra atrás referido, que percorrendo o rio entre o convento de S. Francisco e a Igreja de S. José, disparou continuamente sobre os miguelistas obrigando à sua retirada. Após a Convenção de Évoramonte em 1834, que pôs termo à guerra civil, o Remexido recusou entregar-se às forças do governo com receio de represálias. Passou por isso à clandestinidade e até 1836, acolitado por uma hoste de guerrilheiros estimada em cerca de 400 homens, pôs a ferro e fogo todo o Algarve a Baixo Alentejo, semeando o terror por onde passavam. Nesse ano, a 28 de Julho, foi finalmente capturado. Julgado e condenado em Conselho de Guerra, foi fuzilado no Campo da Trindade*, em Faro, no dia 2 de Agosto de 1838 às 6 horas da tarde, sendo sepultado no cemitério da Misericórdia desta cidade. Após a detenção do Remexido, a guerrilha continuou a persistir durante várias décadas. Um filho deste vai continuar durante muito tempo a “obra” de seu pai. Mas vários outros bandos de guerrilheiros irão pulular por todo o país ao longo do século XIX, uns, motivados por convicções ideológicas, outros, por razões menos dignas. No caso da guerrilha do Remexido, as consequências nefastas fizeram-se sentir, sobretudo ao nível da economia rural, gerando ao mesmo tempo um sentimento de insegurança e temor por parte das populações. * Campo da Trindade ou Rossio da Trindade, em Faro, ocupava quase toda a área que constituiu hoje a zona onde se encontram as antigas oficinas da Escola Secundária Tomás Cabreira. Pedro Manuel Pereira

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