quarta-feira, 25 de março de 2009
As aporias da linguagem
«Não só os sentimentos criam palavras, também as palavras criam sentimentos. (…) São a vida e quase toda a vida – a razão e a essência desta barafunda. É com palavras que construímos o mundo. (…) Mas agora que os valores mudaram, de que nos servem estas palavras? É preciso criar outras, empregar outras, obscuras, terríveis, em carne viva, que traduzam a cólera, o instinto e o espanto.»
Raul Brandão
A Chanceler da Alemanha ao dirigir-se ao seu país através dos media por causa do terrífico massacre perpetrado por Tim Kretschmer, o jovem de 17 anos que invadiu a Escola Albertville, em Winnenden (Alemanha) assassinando quinze pessoas, declarou que tinha dificuldade em encontrar as palavras exactas para tão hediondo acontecimento.
Entretanto, a revista "Der Spiegel" informa no seu último número de que na noite anterior ao massacre, o jovem tinha realizado jogos violentos no computador e que há meses participava na internet em fóruns sobre massacres escolares.
Na Aústria, um terrífico crime foi Primeira Página durante algumas semanas. Um pai encurralara uma filha e durante três décadas manteve-a em cativeiro, sujeitando-a aos mais perversos e inconfessos actos entroncados num continuado incesto.
Em Angola, morreram esmagadas por uma imensa multidão duas jovens que apenas queriam ver o Papa.
Em Portugal, num curto período de tempo, várias crianças foram vítimas de acidentes domésticos e uma faleceu sozinha no interior de um automóvel. Duas mil e duzentas pessoas perderam diariamente o seu posto de trabalho, contribuindo para que a pobreza cresça encoberta ou declaradamente e a fome alastre, qual peste negra dos tempos modernos.
E assim se esgotam os caminhos da linguagem perante a crueza das realidades emergentes do mundo actual. « Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo» escreveu Wittgenstein no século XX. A verbalização é uma capacidade inerente à pessoa humana, à sua relação com o mundo e respectiva materialização, mas eis que as palavras se quedam novamente em aporia, num silêncio dorido de espanto.
A força elocutória do Homem reside sobretudo na motivação cognitiva e referencial que tem do mundo para construir novos horizontes onde se possa projectar. Ele não usa a linguagem apenas para falar da realidade, ele usa-a também para a transformar e agir sobre ela e, por isso, é preciso criar e fazer ressurgir novas fronteiras que aprisionem este estertor labiríntico em que se enreda a capacidade discursiva do Homem.
Que não se tenha de prolongar este tempo de aporias para que não se revalide com apropriação e sentido as célebres afirmações de Jean Paul Sartre: «Ces mots durs et noirs, je n’en ai connu le sens que dix ou quinze ans plus tard et, même aujourd’hui, ils gardent leur opacité : c’est l’humus de ma mémoire. »
MJVS
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