quarta-feira, 17 de junho de 2009

TAVIRA A CIDADE DOS TEMPLOS

Em1442, o Alentejo e o Algarve eram as regiões do país onde habitavam mais mouros, quer escravos, quer forros. No Algarve, existiam mourarias em Faro, Loulé, Silves e Tavira. No final desse século, dessas quatro localidades só restavam mourarias em três delas, dado que a de Silves já não existia. Tavira, dividida pelo rio Séqua {Gilão ou Asseca} tal como as localidades atrás referidas, possuía, igualmente, uma judiaria, com uma rua principal na vila e as restantes, fora de portas, desde que havia sido conquistada aos Mouros em 1242. Em 1266 recebia carta de foral e em 1536 era criada a Comarca de Tavira. Por esse tempo, esta era a única terra no Algarve que não havia sido doada a senhores particulares, pelo que nelas era vedada a entrada ao corregedor da corte, ao contrário do que sucedia nesta vila, onde frequentemente haviam alçadas extraordinárias devido às contínuas desordens e confrontos entre o povo e os fidalgos, situação que se encontra bem documentada para o reinado de D. Afonso V, o Africano. As razões dos tumultos eram motivadas, «segundo o concelho se amofinava nas cortes de 1478», dadas as concessões contrárias aos foros municipais que o rei fazia aos fidalgos. Acrescente-se a este propósito, que o monarca era homem de carácter perdulário e imprevidente; um gastador, um «mãos largas», sobretudo, face às concessões que fazia à nobreza, de tal ordem, que seu filho D. João II, o Príncipe Perfeito, quando por sua morte lhe sucedeu formalmente no trono, dado o estado caótico das finanças do reino, segundo coevos, desabafou com os mais próximos que o seu pai lhe havia deixado como únicos bens as estradas para calcorrear. O país estava na ruína, à beira da falência. Aliás, e ainda a propósito de desordens, refira-se um facto curioso passado em 1580, nesta hoje cidade, na sequência da morte de D. Sebastião em 1578, ou antes, do seu desaparecimento em combate, em Alcácer Quibir, numa manhã de nevoeiro, montado num corcel branco, rodeado de mourama, desferindo cutiladas à esquerda e à direita, ajoujado pelo peso do seu montante e da sua loucura. O soberano que lhe sucedeu, o seu tio-avô, cardeal-inquisidor D. Henrique, não deixou sucessor. Assim, dada a crise dinástica instalada, o rei espanhol Filipe II, {que veio a ser Filipe I de Portugal} tratou de corromper e comprar muitos portugueses venais, que a troco de bom dinheiro, de bons cargos ou da vaga promessa de algumas migalhas nas bordas da mesa do poder, se venderam a Espanha, se deixaram peitar. O alcaide-mor de Tavira, Martim Correia da Silva, venal e ganancioso como tantos outros, alinhou ao lado dessa «boa gentalha» portuguesa. Por essa razão, Tavira ficou a ferro e fogo. Os cidadãos não se conformaram com a traição do alcaide-mor. De resto, por quase todo o país, davam-se tumultos por essa altura, por razões mais ou menos aparentadas. O bispo de Silves, D. Jerónimo Osório, querendo pacificar os tavirenses, dirigiu-se para essa localidade em liteira, mas porque lhe pareceu que quanto mais demorasse mais se agravava o estado de sítio, montou numa mula para lá chegar mais rápido. Talvez por esse facto, aliado ao estado do tempo, agravou-se-lhe uma pequena chaga na perna direita, que há muito tempo o andava a atormentar. Por isso, teve de recolher para tratamento ao convento de S. Francisco de Tavira, onde, acometido por febres ardentes que o minaram durante vinte dias, acabou por se finar ao segundo dia do mês de Agosto, com 74 anos, sem ter cumprido a missão que se propusera. De resto, uma armada espanhola capitaneada pelo Marquês de Santa Cruz, às ordens do Duque de Alba, acabaria por se assenhorear do Algarve sem disparar um único tiro. Nos alvores do século XV, o número de fogos em Tavira era de 1567, enquanto que no seu termo se contavam 478. Possuía um importante porto comercial, em parte devido às suas exportações de alfarroba, amêndoa, mel, cera, lenha, marmelos, romãs, atum, sardinhas, peixe, sal, frutas e vinhos, principais produções do termo desta localidade, que a esse tempo mantinha relações comerciais com Bruges, cidade essa, que entre os séculos XIII e XV possuiu o maior porto comercial do Norte da Europa. Mas exportava-se igualmente para a Inglaterra, Sardenha, Génova, Gibraltar, Cádiz... Saliente-se ainda que os arrabaldes de Tavira, em vários quilómetros, se encontravam bastamente plantados de olivais e figueirais, para além do arvoredo que permitia as exportações atrás descritas. Mas também, de várias léguas em redor, chegavam todos os outros produtos. O porto de Tavira admitia navios de grande calado. Só os seus habitantes, possuíam 70 desses navios, para além de inúmeras embarcações costeiras e de pesca. A este porto acostavam incontáveis navios bretões, ingleses, alemães e de outras procedências, para carregarem mercadoria comprada aos tavirenses. Nesta vila, muitos negociantes da Flandres faziam também, frequentes compras de uvas e figos. Ao longo dos séculos, foi esta localidade visitada por várias vezes por vários monarcas. O primeiro deles de que há notícia, foi D. Diniz, que deu carta de privilégio com data de 15 de Abril de 1303 aos moradores de Tavira. Depois, e na sequência da visita de D. João I no seu regresso após a conquista de Ceuta em 1415, outros soberanos se lhe seguiram quer na ida quer no regresso de terras de África e não só. Quando do terramoto de 1755, sofreu essa vila consideráveis danos. A saber: o Convento de S. Francisco ficou bastante danificado, o Hospital ficou arrasado e arrasadas ficaram 42 casa de morada. Não obstante, houve poucos mortos e feridos. Nesta data, Tavira era residência do corregedor da corte, do provedor das Comarcas do Algarve e do Juiz de fora. A sua Alfândega era possivelmente a mais importante do Algarve. Possuía na altura duas freguesias; Santa Maria, mesquita de Mouros que D. Paio Peres Correia mandou converter em igreja cristã, e S. Tiago. Continuava a ser, esta localidade, rica em abundantes e variadas águas mas agora, com a barra assoreada, o seu porto, uma pálida imagem da importância que havia tido durante séculos. Decadente. De forma a imprimir-lhe alguma dinâmica industrial, por alvará de 31 de Maio de 1776, mandou D. José I estabelecer na cidade uma fábrica de tapeçarias de lã e seda, de acordo com a política manufactureira do reino. Porém, este estabelecimento não teve grande futuro e «foi sol de pouca dura». E assim, a cidade continuou inexoravelmente a afundar-se. Hoje, nos alvores do século XXI, e desde os anos sessenta do século XX, Tavira tem vindo a constituir-se paulatinamente como uma cidade, um concelho dinâmico, virado para o turismo, uma das novas «industrias» dos novos tempos. Pedro Manuel Pereira

Sem comentários:

Enviar um comentário