«…90% da população portuguesa vive acarneirada pelo Medo. O medo de perder a liberdade ou de perder o pão, o medo de comprometer o futuro dos filhos ou de ser referenciado pela polícia. E com medo não reage, não pensa, não obedece aos ditames da consciência, nem sequer se furta às manifestações que lhe exigem como condição de segurança individual(…)Uma censura montada para decapitar valores, encobrir escândalos e defender a intangibilidade dos governantes(…)um Exército com a sua organização moral desmantelada por perseguições e favores, amputado dos melhores valores e quase reduzido a tropa cinzenta de ocupação; finalmente, o Medo, a grande instituição do sistema, aprisionando todos os espíritos, esmagando as almas, calando os próprios queixumes da fome e da miséria. E sobre este panorama, pairando a grande altura, também como instituição personificada, a figura intangível do Chefe – o nosso salvador, o maior de toda a História, o homem da última palavra, depositário de todas as verdades e de todos os poderes…».
In Crónica de Horas Vazias, Henrique Galvão *, Livraria Popular Francisco Franco, Lisboa, s/d. (escrito em 1952 nas prisões de Caxias e Aljube).
* O Capitão Henrique Carlos Mata Galvão nasceu no Barreiro em 4 de Fevereiro de 1895 e faleceu exilado em S. Paulo – Brasil, em 25 de Junho de 1970. Participou na instauração da ditadura militar em 28 de Maio de 1926, que abriu as portas ao Estado Novo, regime «inventado» por Salazar. Foi Inspector Colonial, Director da Emissora Nacional, Deputado e um brilhante escritor, hoje, injustamente esquecido, tendo deixado uma vasta bibliografia publicada, desde relatos de viagens a romances e outros. Inconformado com o rumo que os acontecimentos políticos haviam tomado após Salazar se agarrar ao poder com unhas e dentes (mais unhas que dentes…); contra a corrupção e a venalidade dos dirigentes do aparelho do Estado, desmandos a que o Chefe – Salazar, cognominado: «o botas» - fazia «vista grossa» e, sobretudo, depois que Henrique Galvão os denunciou quer aos seus superiores, quer em escritos publicados em jornais. Muito embora fosse um fervoroso católico e anticomunista, de nada lhe valeu o seu currículo passado, como militar e como político, quando com outras personalidades descontentes com o regime, foi preso, como se de um malfeitor se tratasse, bem assim como os restantes indivíduos que com ele se encontravam na altura, pelo facto de terem constituído uma organização cívica denominada O.C.N. - Organização Cívica Nacional, nos termos da Lei e da Constituição. Tinha essa embrionária associação as suas instalações alcandoradas num modesto gabinete de um quarto andar da Rua da Assunção em Lisboa. Mais tarde, tendo fugido sobre prisão, do Hospital de Santa Maria, exilou-se na Venezuela. Em Janeiro de 1961, juntamente com outros exilados políticos portugueses, tomou de assalto o paquete Santa Maria, em pleno alto mar, depois de uma escala na sua viagem para a América Latina. Este Incidente, na época, mobilizou a atenção dos portugueses, bem assim como do resto do Mundo para a feroz ditadura de Salazar, tendo este acontecimento precedido, ou antes, introduzido a prática, que anos mais tarde viria a ser difundida internacionalmente, de sequestrar navios e aviões com fins políticos. Nesse ano, teve início a guerra colonial em Angola, que alastrou posteriormente a Moçambique e Guiné, totalizando treze anos de luta. A tomada de assalto do Santa Maria marcou o início do fim do império português.
Pedro Manuel Pereira
Meu Querido Amigo:
ResponderEliminarConhecemos a História do Medo em Portugal. Bem antiga, cuidadosamente renovada pelos matreiros políticos, que mais não são capazes de fazer, se exceptuarmos casos pontuais, votados por aqueles ao opróbrio.
Custa-me dizer: não vejo, não há, futuro para isto! Isto chama-se Portugal e chamem-me anti-patriota se quiserem...
Abraço do
Raúl.