quarta-feira, 14 de setembro de 2011

REALIDADE PREMONITÓRIA

Sem saudades deste pedaço de terra governado a dias e ao sabor das marés, tive de regressar a ela duas semanas passadas. Para mal dos meus pecados. Sem dó nem piedade.
Creia amigo leitor, que o chamado «país real» com que os nossos afamados profissionais da política emprenham os seus discursos e se masturbam uns aos outros, encontra-se decrépito. Elas são as estradas principais, secundárias e municipais, as ruas, becos e vielas urbanas esventradas, onde torcemos os pés, as pernas e estoiramos as jantes e os amortecedores dos carros. Experimentem circular por exemplo, na cidade a que preside o presidente da Associação Nacional de Municípios - Viseu - ou circular entre cidades, em estradas nacionais e municipais, no Minho e outras regiões. Para estas vias, ideais - e bucólicos - serão os velhos carros de bois, acompanhados pela melopeia do chiar das suas rodas.
Eles são os prédios a cair de podres, entaipados, encardidos, desde que se entra numa localidade até que dela se saia. Os centros das cidades, das vilas, constituem verdadeiros cemitérios de imóveis, pasto de ratazanas e outros animais sem eira nem beira. Sobretudo, deles emana invariavelmente, um fedor a mijo de gato requentado, capaz de impressionar até as narinas dos profissionais da política, sempre tão «preocupados» com a proclamada e exclamada - por eles - sociedade civil. A propósito: será que a razão dessa «classe profissional» regurgitar a miúdo nos seus bestiários discursos e intervenções associadas a frase «sociedade civil», é para se fazer destrinça da «sociedade dos corruptos»?; da «sociedade da cagalhota»?; da «sociedade dos políticos»?; da «sociedade dos medíocres»?... - Afinal quantas sociedades existem em Portugal...
De uma ponta à outra do país, ladeiam as denominadas «estradas» pontilhando a paisagem, imensas naves (fábricas), quais arcas de Noé, que antes produziam e empregavam centenas, milhares de trabalhadores. Encontram-se nos arrabaldes das localidades, das vilas, das cidades, alinhadas umas ao lado das outras às centenas. Todos os dias encerram mais umas dezenas... - Enfim, por estas terras das quais Cristo perdeu o mapa e a que alguns chamam de «cús de Judas», com especial incidência de Lisboa para cima, desorbitadas, obliteradas, como se milhares de obuses tivessem sido desviados no seu trajecto desde o Médio Oriente, Afeganistão e locais onde decorrem conflitos bélicos, para Portugal.
O lixo e a imundície, proliferam por todo o lado, como se fizessem parte integrante da paisagem. Acontece, porém, que ainda há meia dúzia de anos - para não me referir a décadas atrás - este cenário que venho descrevendo e que corresponde a um pálida imagem do imaginável por quem não percorra o país de uma ponta à outra, era impensável.
Pergunto, inocente que sou e ignorante que continuo a ser: onde foram parar os milhões que tem entrado em Portugal desde a sua adesão à Comunidade Europeia?...
Será que foi gasto todo nas auto-estradas?...
Este ano caí na asneira de fazer aquilo que há mais de uma meia dúzia de anos não fazia, ou seja, aproveitar as férias para, em pouco mais de uma semana, dar a volta ao país. De uma ponta à outra, tirando o Algarve, onde vivo todo ano por mor dos meus pecados, parafraseando Fernão Mendes Pinto.
Salvei alguma da minha sanidade mental quando a uma dada altura disse à malta da nau: - Vamos mas é para Espanha, que Portugal já foi!!!. Antes «o mau vento e o mau casamento», que diziam os antigos virem do país de «nuestros hermanos». Salvei, algum tempero cognitivo. Não consegui salvar, alguns episódios de boa disposição, tolerância e esperança que ainda me restavam no arquivo da memória, a propósito deste país que se esboroa a passo acelerado.
Sem remissão.


Pedro Manuel Pereira
NOTA

Escrito em 2009.

2 comentários:

  1. Pois é, Meu Caro Amigo!

    Uma tímida, mas muito segura, sugestão: que tal pegar nestes "posts" tão magistralmente escritos, cosê-los e publicá-los num belo livro? Nada muda, mas cumpres um dever para com as pessoas honestas, que ainda as há, e para contigo, para além do prazer que te vai dar, podes crer!

    Abraço,

    Raúl.

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  2. Isso mesmo... caro Pedro Pereira; embora a publicação de livros em Portugal esteja por volta dos 40 títulos diários ( é sabido que neste país não se lê... mas escreve-se p'ra cacete)!...

    Um dia escrevi algures um apontamento sobre a recepção que teria rido o grande Agostinho da Silva no paraíso celeste; por lá lhe perguntou o S. Pedro como estava aquele jardim à beira mar plantado. O professor terá feito um esgar de tédio e disse apenas: "esqueça... santo homem; aquilo lá não tem jeito nem trambelho... esqueça"; e mais não terá dito, para surpresa do Simão Pedro... e nossa desgraça!...

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