domingo, 16 de maio de 2010

POEMAS DE JORGE DE SENA BEM ACTUAIS

1 Hei-de ser tudo o que eles querem: a raiva é toda de eu não ser um espelho em que mirem com gosto os próprios cornos, as caudas com lacinhos, e os bigodes de chibos capripédicos. Não sou nem sequer imagem. Mas voz eu sou que como agulha ou lança ou faca ou espada mesmo que não dissesse da miséria de lodo e trampa em que se espojam vis só porque existe é como uma denúncia. Hei-de ser tudo, não o sendo. Um dia – podres na terra ou nos caixões de chumbo estes zelosos treponemas lusos – uma outra gente, e limpa, julgará desta vergonha inominável que é ter de existir num tempo de canalhas de um umbigo preso à podridão de impérios e à lei de mendigar favor dos grandes. 2 De cada vez que um governo necessita de segredos, por segurança do Estado ou para melhor êxito nas negociações internacionais, é o mesmo que negar, como negaram sempre desde que o mundo é mundo, a liberdade. Sempre que um povo aceita que o seu governo, ainda que eleito com quantas tricas já se sabe, invoque a lei e a ordem para calar alguém, como fizeram sempre desde que o mundo é mundo, nega-se a liberdade. Porque, se há algum segredo na vida pública que todos não podem saber é porque alguém, sem saber, é o preço do negócio feito. E se há uma ordem e uma lei que não inclua mesmo que seja o último dos asnos e dos pulhas e o seu direito a ser como nasceu ou o fizeram, a liberdade é uma farsa, a segurança é uma farsa, a ordem é uma farsa, não há nada que não seja uma farsa, a mesma farsa representada sempre desde que o mundo é mundo, por aqueles que se arrogam ser empresários dos outros e nem pagam decentemente senão aos maus actores Jorge de Sena

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