terça-feira, 4 de maio de 2010

O SONHO

Provavelmente, devido às considerações expressas pelo nosso amigo João, no último jantar da Tertúlia, relativamente às crescentes abstenções verificadas nos sucessivos actos eleitorais, caí, uma noite destas, num sonho estranhíssimo que, para muitos, teria sido considerado um pesadelo. No sonho, dei por mim a dialogar com o Presidente da Comissão Nacional de Eleições sobre o assunto referido, acabando por receber da sua parte uma confidência que deita por terra todos os estudos e palpites dos mais conceituados politólogos da nossa praça. Disse-me, que instigado por uma dúvida que insistentemente o apoquentava, decidira determinar que numas eleições realizadas para fazer saltar o Eng.º. Sócrates de S. Bento (isto passa-se tudo no meu sonho, que fique bem claro) para evitar tantas abstenções, as assembleias de voto, passariam a dispor de um bem organizado serviço de “comes e bebes”. Adiantou-me que a ideia lhe fora passada pelo Eng.º Belmiro de Azevedo que, num convívio de amigos, revelara, existirem, espalhados por todo o país, milhares de casais que, diariamente, deambulavam pelos seus supermercados, na mira de encontrarem promoções de produtos comestíveis que lhes proporcionassem papar as apetecidas “tapas”. Sendo assim e, como nos sonhos tudo é possível, o meu interlocutor, decidira e conseguira apetrechar, todas as assembleias de voto com as indispensáveis condições físicas para a operação ser um êxito. Interrogou-se sobre quem iria pôr em prática esse trabalho, mas, não teve que esperar muito, pois constatou que o Eng.º Belmiro já tinha criado a empresa SONAE-ELEIÇÕES, destinada a tudo o que fossem eleições ou referendos. Como tal, sentira-se aliviado e feliz por ter conhecido uma pessoa tão prestável e competente. Quando chegara o dia das eleições (no sonho claro), enquanto aguardava pacientemente, na interminável fila, o momento de colocar o votosinho na urna, o nosso homem admirava embevecido a eficiência do serviço montado pelos homens do seu amigo engenheiro/merceeiro. Elegantes meninas, deslizavam sobre patins, transportando bandejas de aperitivos que eram avidamente devorados pelos patrióticos eleitores. Após a colocação do malfadado voto na caixa negra, cada eleitor desatava a correr para o sítio onde estavam instaladas as churrasqueiras, sacando de caminho, os indispensáveis nacos de pão e os infalíveis ” vinho, cerveja ou laranjada”. Depois, bem, depois fora comer à tripa-forra. Às 14h 22m, o último eleitor colocara o seu votosinho na urna, após ter estado na fila de espera, durante exactamente 4h e 30m. Não deu como é óbvio, por mal aplicado o seu tempo. Mesmo assim, no final da contagem dos votos, o nosso amigo constatara que tinha havido uma abstenção de 1.004.278 eleitores. Sabendo que das 14h e 22m, até ao fecho das mesas de voto, não tinha aparecido um único votante, o Presidente da Comissão Nacional de Eleições ordenou um inquérito à razão dos faltosos, tendo apurado os seguintes resultados: 398.942 - Eleitores, estão colocados nas variadíssimas missões “humanitárias” que a ONU tem espalhadas por esse mundo fora, tirando opíparos rendimentos, tendo, portanto, de defender os seus interesses, em vez de participarem nessa estopada do voto por correspondência. 2.156 - Potenciais eleitores que, desde madrugada, estiveram distribuídos pelos locais de voto de todo o país para, através da simulação de voto, puderem obter números que, uma hora antes das urnas fecharem, forneceram aos seus iluminados chefes, de forma a estes conseguirem apresentar as bombásticas previsões que se conhecem, nas aberturas dos Telejornais e Noticiários. 5.867 - Eleitores que, por não encontrarem trabalho digno no país, estão temporariamente a ganhar p´ra bucha e simultaneamente a encher os bolsos dos corruptos exploradores de Luanda. 765 - Professores que, inteligentemente, o Ministério respectivo colocou a 300, 500 ou mais quilómetros de distância do seu local de voto para, assim, evitar que eles fossem votar contra o partido do governo. 13.595 - Eleitores que, contraindo mais um empréstimo, foram passar férias no Brasil, Cuba, Seicheles, Cabo Verde, Tailândia, Maldivas, México, etc…, estando-se nas tintas para as eleições. 8.963 - Eleitoras que, para não perderem pitada das trinta e duas novelas e séries que, diariamente, passam nas televisões, não tiveram margem de intervalo para irem papar os petiscos junto das assembleias de voto. 3.746 - Cidadãos que estiveram todo o dia em macas espalhadas pelos corredores dos hospitais de todo o país, à espera de serem observados por quem de direito. 11.873 - Eleitores que, aproveitando o facto de se tratar de um dia em que não acontece nada digno de nota, como, por exemplo: Uns joguitos de futebol, fut-sal, andebol, basquetebol, hóquei etc… se deslocaram, em grupos, para montes e montinhos alentejanos, onde se abarrotaram de belas migas e os não menos apetecíveis tintos. 298.638 - Jovens eleitores, que estiveram a noite toda a “mamar” vodka e pastilhas nas discotecas – que no nosso país, são cem vezes mais abundantes que as escolas – não estariam em condições de acertar com o voto na ranhura da caixinha. 1.623 - Jovens eleitoras que, passaram o dia todo a ensaiar para concorrer a castings, onde serão descobertos novos valores para a música pimba portuguesa, porque existem estudos que garantem ser o número de “artistas” a exibir o belo pername ainda inferior ao número de potenciais espectadores. 174.628 - Reformados que, nos meios rurais, por falta de verbas nas Câmaras Municipais, não puderam ser transportados pelos autocarros até às mesas de voto, perdendo, portanto, a churrascada. 19.830 - Profissionais de Televisões e Rádios que, tiveram de se espalhar por todo o país no intuito de colherem informações sobre como estava a decorrer o acto eleitoral. Estes, foram os únicos que não perderam os “comes e bebes” pois, abancaram em mais que uma mesa de voto, razão pela qual, ao fim do dia, já não diziam coisa com coisa. 63.651 - Eleitores que, por já terem falecido, não puderam justificar a sua falta. Assim, constata-se que, dos 1.004.278 abstencionistas, estavam justificados 1.004.277, o que levou à verdade nua e crua de que havia apenas um eleitor digno de ser considerado como um autêntico abstencionista. Só os presentes nesta sala sabem quem foi esse irredutível eleitor e, como tertulianos de honra, ficaremos solenemente comprometidos a jamais divulgarmos o segredo. Mas, não posso terminar sem divulgar o resultado das eleições. Apesar do, mesmo assim, elevado número de abstenções contabilizadas (1.004.278), constata-se que estão muito longe das (3.838.663) verificadas nas anteriores eleições, o que quer dizer que o serviço de “ comes e bebes” instalado pelo merceeiro Belmiro, chamou às mesas de voto - nada mais, nada menos - que 2.834.385 eleitores. Como a totalidade desses votantes reflecte uma espécie de anarquistas à portuguesa, colocaram a cruzinha no POUS, transformando-o como o partido mais votado. Aterrorizados, os líderes dos partidos que constituem a Assembleia actual, uniram-se pela primeira vez para se oporem àquilo que se lhes afigurava uma tragédia, visto que o Aires Rodrigues e a Carmelinda Pereira, já teriam feito saber que os fatinhos de caqui, passariam a ser a veste obrigatória dos deputados da Assembleia da Republica, para além do corte de todas as mordomias que, aos deputados, são agora concedidas. Agora que P.P. e B.E. estão a apoiar um governo de coligação, Paulo e Miguel Portas já podem ser vistos em público junto da mamã, nos habituais jantarinhos semanais, para delinear estratégias para discursos seguintes. Fernando Carreira

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