segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O ASSALTO AO TESOURO DE KADAFI

Quando em Agosto deste ano, no início da intervenção armada da NATO no conflito líbio, afirmámos nas páginas da Tertúlia Plural que «…a estória da disputa pelo controlo do petróleo não é mais que fumo atirado para os olhos dos incautos.», [in Kadafi – A Queda de um Beduíno, 22/08/2011], estávamos conscientes e sabedores de que a verdade haveria de ver a luz do dia após a morte do ditador, só que, não nos cabia - não cabe - a nós contar a estória dos próximos capítulos desta espécie de telenovela mexicana dobrada em brasilês.
Os motivos do desaire do líbio são bem mais prosaicos: - A necessidade premente da Europa Comunitária e dos Estados Unidos da América (a braços com uma grave crise económica sistémica) de deitarem a mão ao património, aos depósitos bancários e outros ativos financeiros que Kadafi deixou em países como a Itália, França, Áustria, Finlândia, Alemanha, Grã-Bretanha, Portugal, Espanha, Malta, EUA, Egipto, Tunísia, Omã e várias outras nações africanas.
Segundo o vespertino Los Angeles Times, o ex-ditador enviou para fora da Líbia ao longo de mais de quarenta anos no poder, uma quantia estimada em 200 mil milhões de dólares distribuídas pelos quatro cantos do mundo. É neste contexto – de acordo com o periódico The Telegraph - que o governo da Grã-Bretanha congelou várias contas bancárias, património imobiliário e participações em empresas, detidas nesse país, valor estimado em 20 mil milhões de euros. Na Alemanha tinha um património de mais de seis mil milhões de euros, incluindo participações na Siemens e na BASF; em Itália, possuía ações nas entidades bancárias UniCredit e Fimeccanica; na Áustria detinha 10% do capital da maior fábrica de tijolos do mundo; na Finlândia era detentor de forte participação na Nokia; nos EUA Kadafi possuía mais de 30 mil milhões de dólares em ativos, que contemplam depósitos bancários – atualmente congelados - participações na Exxon Mobill, General Electric, Caterpillar e Citigroup entre outros; detinha 24% da Circle Oil Plc, que é o maior fornecedor de gás natural para o Egipto, Marrocos, Namíbia, Omã e Tunísia.
Já em Portugal – tanto quanto se sabe até ao momento – de acordo com o matutino Público, o beduíno deixou depositados na Caixa Geral de Depósitos um bilião e trezentos milhões de euros (1 bilião, oitocentos e quarenta e cinco milhões de dólares). Ainda de acordo com este periódico, datado de 24 de Outubro, o dinheiro encontra-se em «quatro contas que foram congeladas em Março deste ano ao abrigo das sanções internacionais contra o regime de Kadafi». Este dinheiro foi depositado em 2008.
Recordamos a pertinente notícia da Agência Lusa de 31 de Agosto de 2010: «O primeiro ministro visita a Líbia, quarta feira, pela quarta vez nos últimos cinco anos e meio, frequência que traduz a aposta política do Governo português na intensificação das relações económicas com este país do Magreb».
É bom recordarmos-nos que até aos alvores deste ano, Kadafi, um sanguinário ditador e terrorista, antes reciclado e apaparicado como velho amigalhaço da França, Reino Unido, EUA e outros, era tratado pelo governo de Sócrates com deferência, ou antes, reverência com laivos de subserviência, como um néscio se posta perante uma alimária ajaezada de ouro. E aparentemente o governo tinha razões para isso, a aferir pelas quantias em depósitos no Banco do Estado, restando saber se existem outros depósitos bancários ou investimentos em Portugal do assassinado ditador e de seus familiares.
Entretanto o representante do Conselho Nacional de Transição da Líbia manifestou a intenção do seu país de resgatar o dinheiro depositado na CGD. Porém, como alegadamente existe uma dívida de vários milhões de euros do Estado líbio a empresas portuguesas, dificilmente o dinheiro em depósito lhes será devolvido. Neste sentido, torna-se importante sabermos que tipo de negócios e que empresas portuguesas na vigência do governo de Sócrates, mantiveram relações económicas com a Líbia.
Provavelmente este será o género de resposta que os países onde existam depósitos bancários, ativos financeiros e propriedades do clã Kadafi, irão dar ao governo líbio quando este exigir a devolução dos bens. Para além do mais a NATO tem uma fatura de despesas consideráveis a apresentar ao próximo governo líbio, dada a sua intervenção na guerra, decisiva para a deposição de Kadafi.
Não deixa de ser curioso verificar, que foi precisamente em Março deste ano, quando a Europa Comunitária e os Estados Unidos entraram em grave recessão económica, que as instâncias internacionais se «lembraram» de aplicar sanções económicas à Líbia, dando instruções aos países onde existe dinheiro e bens do clã Kadafi, para os congelar. A hipocrisia e o cinismo da ONU e outros organismos manifestou-se abertamente, ao «descobrirem», então, que a Líbia era governada por «uma ditadura que não respeitava os direitos humanos».
De salientar que em inícios deste ano a CE e os EUA promoveram de igual forma e paralelamente, insurreições populares em vários países árabes como o Egipto (onde os militares estão no poder e os democratas são presos e condenados), Tunísia, Síria, Iémen e outros com menor expressão. Saliente-se que o denominador comum entre eles, à partida, era (é) o facto de serem governados por ditaduras capitaneadas por clãs familiares de sanguessugas cleptocratas, com incomensuráveis fortunas a bom recato em países europeus, africanos e EUA. Kadafi e a sua prol faziam parte desse verdadeiro cartel de malfeitores, que excetuando o seu caso e o de Mubarak no Egipto (deposto primeiro), se mantêm arrimados ao poder com unhas e dentes, enquanto os chefes de governo das potências da NATO assim quiserem… estrategicamente.
Com a captura de Kadafi num cano de esgoto e o seu assassinato sumário pela populaça, quem saiu a ganhar com esta guerra sórdida foram os países onde o mesmo detinha ativos financeiros. Quem perdeu, foi o povo líbio. O tempo o mostrará.

Pedro Manuel Pereira

1 comentário:

  1. Limpinho, Meu Caro! Tal como dizes.

    Não somo nós, europeus, descendentes de corsários, piratas!? E quem descende de nós também se tornou no mesmo, americanos, australianos…

    Grande Abraço,

    Raúl.

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