quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

POEMAS URGENTES

Na primeira noite, eles aproximam-se e colhem uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam o nosso cão. E não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada. Maiakovski -(1893-1930) Poeta russo "suicidado" após a revolução Bolchevique Primeiro levaram os negros Mas não me importei com isso Eu não era negro Em seguida levaram alguns operários Mas não me importei com isso Eu também não era operário Depois prenderam os miseráveis Mas não me importei com isso Porque eu não sou miserável Depois agarraram uns desempregados Mas como tenho o meu emprego Também não me importei Agora estão me levando Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém Ninguém se importa comigo. Bertold Brecht - (1898-1956) Um dia vieram e levaram o meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram o meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar... Martin Niemöller - 1933 - símbolo da resistência aos nazis. ABRIL Ao nascer me libertei De um ventre acolhedor Mergulhado em dor e amor Para o mundo voltei A liberdade sonhei Quando em Março me revoltei Ela logo me fugiu E, por fim mentiu A liberdade fugiu Aquela com que sonhei Mas em Abril sentiu Aquela com quem sonhei Ai Abril, ai abrirei Abril com quem sonhei As grades da prisão Fazes sofrer meu coração Pela liberdade sonhada Em Abril que sonhei Em Abril que amei Sofri minh’alma aprisionada Nesta gaiola doirada Que dizem ser Democracia O povo sofre e agonia Em nome de tanta cambada Amilcar dos Anjos NOITE DE FADO Na Rua do Compromisso Junto a uma nau afundada Às quatro da madrugada Cantava-se ao desafio Um fado sem compromisso Trocavam-se as guitarradas Vindo da voz agarrada Com as mãos no coração Dessa rua formosa Era vê-la na animação O Alberto com uma rosa E a guitarra na mão Fazia-a trinar baixinho Num som quase em silêncio Só se ouvia o pipinha Que queria ser reformado Com o medo da inocência Pois já não tinha trabalho Amilcar dos Anjos POEMA DO AMIGO APRENDIZ Quero ser o teu amigo. Nem demais e nem de menos. Nem tão longe e nem tão perto. Na medida mais precisa que eu puder. Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida, Da maneira mais discreta que eu souber. Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar. Sem forçar tua vontade. Sem falar, quando for hora de calar. E sem calar, quando for hora de falar. Nem ausente, nem presente por demais. Simplesmente, calmamente, ser-te paz. É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender! E por isso eu te suplico paciência. Vou encher este teu rosto de lembranças, Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias... Fernando Pessoa DIES IRAE Apetece cantar, mas ninguém canta. Apetece chorar, mas ninguém chora. Um fantasma levanta A mão do medo sobre a nossa hora. Apetece gritar, mas ninguém grita. Apetece fugir, mas ninguém foge. Um fantasma limita Todo o futuro a este dia de hoje. Apetece morrer, mas ninguém morre. Apetece matar, mas ninguém mata. Um fantasma percorre Os motins onde a alma se arrebata. Oh! Maldição do tempo em que vivemos, Sepultura de grades cinzeladas, Que deixam ver a vida que não temos E as angústias paradas! Miguel Torga, Cântico do Homem, 1950, in Antologia Poética NEVOEIRO Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Define com perfil e ser Este fulgor baço da terra Que é Portugal a entristecer – Brilho sem luz e sem arder, Como o que o fogo-fátuo encerra. Ninguém sabe que coisa quer. Ninguém conhece que alma tem, Nem o que é mal nem o que é bem. (Que ânsia distante perto chora?) Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. Ó Portugal, hoje és nevoeiro… É a hora! Fernando Pessoa, in Mensagem EPÍGRAFE PARA A ARTE DE FURTAR Roubam-me Deus Outros o diabo Quem cantarei Roubam-me a Pátria e a humanidade outros ma roubam Quem cantarei Sempre há quem roube Quem eu deseje E de mim mesmo Todos me roubam Quem cantarei Quem cantarei Roubam-me Deus Outros o diabo Quem cantarei Roubam-me a Pátria e a humanidade outros ma roubam Quem cantarei Roubam-me a voz quando me calo ou o silêncio mesmo se falo Aqui d'El Rei Jorge de Sena FADO PARA UM AMOR AUSENTE Meu amor disse que eu tinha Uns olhos como gaivotas E uma boca onde começa O mar de todas as rotas. Assim falou meu amor Assim falou ele um dia E desde então vivo à espera Que seja como dizia. Sei que ele um dia virá Assim muito de repente Como se o mar e o vento Nascessem dentro da gente. Manuel Alegre ANTO Meninas, lindas meninas ! Qual de vós é o meu ideal ? Meninas , lindas meninas Do Reino de Portugal ! Minha capa vos acoite, Que é p’ra vos agasalhar; Se por fora é côr de noite, Por dentro é côr do luar ... Vou encher a bilha e trago-a Vasia como a levei ! Mondego, que é da tua água ? Que é dos prantos que chorei ? Ó quem me dera abraçar-te, Contra o peito assim, assim, Levar-me a morte e levar-te Toda abraçadinha a mim. A cabra da velha Torre, Meu amor, chama por mim; Quando um estudante morre, Os sinos chamam, assim. Ó sinos de Santa Clara, Por quem dobraes, quem morreu ? Ah, foi-se a mais linda cara Que houve debaixo do Céu ! António Nobre CANÇÃO COM LÁGRIMAS Eu canto para ti um mês de giestas Um mês de morte e crescimento ó meu amigo Como um cristal partindo-se plangente No fundo da memória perturbada Eu canto para ti um mês onde começa a mágoa E um coração poisado sobre a tua ausência Eu canto um mês com lágrimas e sol o grave mês Em que os mortos amados batem à porta do poema Porque tu me disseste quem em dera em Lisboa Quem me dera me Maio depois morreste Com Lisboa tão longe ó meu irmão tão breve Que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro Eu canto para ti Lisboa à tua espera Teu nome escrito com ternura sobre as águas E o teu retrato em cada rua onde não passas Trazendo no sorriso a flor do mês de Maio Porque tu me disseste quem em dera em Maio Porque te vi morrer eu canto para ti Lisboa e o sol Lisboa com lágrimas Lisboa a tua espera ó meu irmão tão breve Eu canto para ti Lisboa à tua espera... Adriano Correia de Oliveira FEITICEIRA Ó meu amor, minha linda feiticeira, Eu daria a vida inteira Por um só beijo dos teus. Por teu amor, A minha vida era pouca, P'ra beberes da minha boca, O beijo do eterno adeus. Ó meu amor Sonho lindo este que eu tive Única esperança que vive Na minha alma a soluçar. Por teu amor Eu morria de desejo Deste-me a vida num beijo Eu vivi por te beijar. Fernando Carvalho SINTO VERGONHA DE MIM Sinto vergonha de mim por ter sido educador de parte deste povo, por ter batalhado sempre pela justiça, por compactuar com a honestidade, por primar pela verdade e por ver este povo já chamado varonil enveredar pelo caminho da desonra. Sinto vergonha de mim por ter feito parte de uma era que lutou pela democracia, pela liberdade de ser e ter que entregar aos meus filhos, simples e abominavelmente, a derrota das virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez no julgamento da verdade, a negligência com a família, célula-Mater da sociedade, a demasiada preocupação com o “eu” feliz a qualquer custo, buscando a tal “felicidade” em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo. Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir, sem despejar meu verbo, a tantas desculpas ditadas pelo orgulho e vaidade, a tanta falta de humildade para reconhecer um erro cometido, a tantos “floreios” para justificar actos criminosos, a tanta relutância em esquecer a antiga posição de sempre “contestar”, voltar atrás e mudar o futuro. Tenho vergonha de mim pois faço parte de um povo que não reconheço, enveredando por caminhos que não quero percorrer... Tenho vergonha da minha impotência, da minha falta de garra, das minhas desilusões e do meu cansaço. Não tenho para onde ir pois amo este meu chão, vibro ao ouvir o meu Hino e jamais usei a minha Bandeira para enxugar o meu suor ou enrolar o meu corpo na pecaminosa manifestação de nacionalidade. Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo deste mundo! “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, A rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. Rui Barbosa {Poeta brasileiro – 1848/1923} A miséria das palavras Não: não me falem assim na miséria, nos pobres na liberdade. Se a miséria e a pobreza fossem o vómito que deviam ser posto em palavras, a imaginação possuída e vomitada que deviam ser, viria a liberdade por acréscimo, sem palavras, sem gestos, sem delíquios. Assim apenas se fala do que se não fala, apenas se vive do que não se vive, apenas liberdade é uma miséria sem nome, sem futuro, sem memória. E a miséria é isso: não imaginar o nome que transforma a ideia em coisa, a coisa que transforma o ser em vida, a vida que transforma a língua em algo mais que o falar por falar. Falem. Mas não comigo. E sobretudo sejam miseráveis, e pobres, sejam escravos, no silêncio que à linguagem faz imaginar-se mais que o próprio mundo. Jorge de Sena, in Poesias III, 5/8/1962 Porque Porque os outros se mascaram mas tu não Porque os outros usam a virtude Para comprar o que não tem perdão. Porque os outros têm medo mas tu não. Porque os outros são túmulos caiados Onde germina calada a podridão. Porque os outros se calam mas tu não. Porque os outros se compram e se vendem E os seus gestos dão sempre dividendo. Porque os outros são hábeis mas tu não. Porque os outros vão à sombra dos abrigos E tu vais de mãos dadas com os perigos. Porque os outros calculam mas tu não. Sophia M. Breyner Andresen ,in MAR NOVO

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