Esta é a história que tantas vezes ouvi, durante a minha vida, contada pelos meus tios, o Comandante José Sequeira Marcelino e a hospedeira Maria Luísa Infante. Hoje, 45 anos passados, vou aqui contá-la… Marrocos, 10 de Novembro de 1961, o Super-Constellation da TAP, Mouzinho de Albuquerque, descola do aeroporto de Casablanca com destino a Lisboa. O seu Comandante, José Marcelino, a tripulação e 13 dos passageiros, não podiam imaginar que iam ficar na história da aviação e na história da luta contra o regime de Salazar. Cerca de 45 minutos após o início do voo, Hermínio da Palma Inácio, entra no cockpit e aponta um revolver à cabeça do Comandante, explicando que o avião estava a ser assaltado. O objectivo era lançarem sobre Lisboa, Barreiro, Setúbal, Beja e Faro, 100000 folhetos, denunciando as eleições para a Assembleia Nacional que se iam realizar 2 dias depois e incitando à revolta contra o regime de Salazar, regressando depois a Tânger onde Palma Inácio e os seus 6 companheiros, deviam obter asilo político. Esta operação planeada por Henrique Galvão tinha o nome de “Operação Vagô”. O Comandante Marcelino, mantendo uma calma e uma presença de espírito enormes, ainda tentou impedir esta operação, alegando que o avião não tinha combustível para um voo de ida e volta a Marrocos, e que era impossível abrir as janelas do avião para lançar os folhetos. Mas, Palma Inácio mecânico de aviões, tinha uma licença de piloto de aviões comerciais e não se deixou convencer. Sendo da sua inteira responsabilidade a vida da tripulação e dos passageiros, bem como o avião, O Comandante José Marcelino não teve outra hipótese senão obedecer. O voo seguiu sem quaisquer problemas até Lisboa. Ao aproximar-se do aeroporto da Portela, o Comandante pede autorização para aterrar e faz uma simulação de aterragem tão perfeita que Palma Inácio exclama: “Que está a fazer? Se aterra somos todos presos”. Mas, no último momento, acelera os 4 motores do super-constellation, ganha altitude a afasta-se do aeroporto. Ainda tenta explicar à torre de controlo o que se passava a bordo, mas sem sucesso. Estava assim iniciado o histórico voo. Rasando a cidade de Lisboa, voando a cerca de 100 metros de altitude (quase rasando na Estátua do Marquês de Pombal), evitando assim os radares e os dois caças Sabre, que entretanto tinham descolado de Monte Real com ordem de interceptar e abater o avião, caso este não aterrasse em solo português (ordem que os pilotos dos caças não cumpriram), o avião segue sempre a baixa altitude passando pelo Barreiro, Setúbal, Beja e Faro, enquanto os companheiros de Palma Inácio, ajudados pelo Comissário Orlof Esteves e pelas Hospedeiras Maria Luísa Infante e Maria del Pilar Blanco, enchiam os céus de Portugal com os 100 000 folhetos. Mas, os sustos ainda não tinham acabado. Já, de regresso a Marrocos, os pilotos avistam 2 navios de guerra portugueses. Só havia uma hipótese de escapar. Era voar a meia dúzia de metros acima da água por entre os dois navios, impedindo-os, assim, de utilizarem a artilharia, pois se o fizessem disparavam um contra o outro. Foi a incrível proeza que o Comandante Marcelino conseguiu. A calma, sempre mantida a bordo deveu-se ao bom ambiente entre “assaltantes”, que nunca mostraram as suas armas aos passageiros, e tripulação que além de ajudar a distribuir os folhetos, manteve os passageiros “entretidos” distribuindo-lhe bebidas. Foi só quando aterraram em Tânger, no meio dos festejos pelo êxito da operação, que os passageiros, na maioria estrangeiros, perceberam o que se tinha passado. Apesar das pressões do Governo português para que Marrocos extraditasse Palma Inácio e os restantes “Comandos”, eles conseguiram ir para o Brasil. Depois de obter garantias que o avião não estava armadilhado, o Comandante Marcelino regressou a Lisboa, sem que nada tivesse acontecido aos passageiros, à tripulação e ao avião. Mas, para ele, os problemas iam começar. Considerado suspeito de cumplicidade, pois, a sua escala era o Porto e não Casablanca e, foi a seu pedido que fez o voo de Casablanca/Lisboa, tendo como única razão a vontade de estar perto daquela que viria a ser a sua mulher, a hospedeira Luísa Infante, foi suspenso da TAP durante um mês e interrogado diversas vezes pela PIDE, pois nunca quis dar a conhecer a verdadeira razão para ter feito aquele voo. Ilibado de qualquer envolvimento no desvio do avião continuou como Comandante da TAP até à idade limite para pilotar, tendo atingido 25 000 horas de voo, mantendo‑se ao serviço da TAP e da aviação até aos 80 anos de idade. Passaram-se 36 anos até que Palma Inácio e o Comandante Marcelino se voltaram a encontrar, num almoço organizado pela Revista Visão em 1998, com todos os intervenientes naquela extraordinária aventura, cujo êxito se ficou a dever, em grande parte à perícia e experiência daquele que tinha sido um dos principais pilotos de caça da força aérea dos anos 30 e 40 e um “Ás” da aviação. Peço desculpa pela extensão do texto e pelo destaque que dei ao meu Tio, o Comandante Marcelino mas, que espero compreendam, visto tratar-se da primeira vez que esta história é escrita por uma sua sobrinha.
Kiki Anahory Garin
Gostaria de comprar o livro "A Vida Que Eu Quis" de autoria de Rita Tamagnini,sou primo direito do Comandante José Sequeira Marcelino´´ chamo-me António Severino Sequeira, o meu email é o seguinte sequeira1926@hotmail.com agradeço esta informação.
ResponderEliminarSó agora vi isto. Contacte com a Rita tagmanini no Facebook
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