Por
Pedro Manuel Pereira
A origem do nome 'Ndrangheta não é
pacífica, sendo que há quem advogue que provem do grego dragathía, que
significa heroísmo e virtude, ou do grego andros agathos, equivalente a homem bom. É
filha do Mezzogiorno (como é denominado o sul da Itália). Também referida como Famiglia Montalbano,
Onorata
Società e Picciotteria, esta é uma
associação com cariz mafiosa, nascida na região da Calábria
muito antes da própria unificação italiana (1861). Sabe a força que a religião
católica tem naquelas terras, por isso a sua estrutura organizativa é baseada
no catolicismo, que é uma forma de angariar a aceitação popular.
A cúpula, a chefia da organização é denominada La Santa (em homenagem a Maria, mãe de Jesus). As micro células de
poder têm nomes associados à Bíblia como, Vangelo
(Evangelho) por exemplo, espécie de seleção dos 33 principais capos da
entidade. Tanto o Vangelo como La
Santa (e os 'ndranghetistas em
geral) adotam o Arcanjo Gabriel como seu protetor, por isso a sua imagem é
motivo de devoção pelos membros da máfia calabresa e provavelmente usada nos
rituais de iniciação, onde o candidato jura fidelidade ao grupo sob o nome de
Jesus Cristo. Ironicamente, Gabriel é o protetor da polícia do Estado italiano.
É menos conhecida que as suas congéneres sicilianas Cosa Nostra (Sicília) e Camorra (Campânia), não obstante, desde
1990 é a mais influente e poderosa destas associações originárias de Itália.
Em virtude da Cosa Nostra ter
perdido o seu poder nos anos da década de 80, aproveitando as brechas abertas
no seio desta organização, subestimada pela Justiça, a 'Ndrangheta cresceu, deixando de ser uma corporação de pastores de
montanha para se inserir de vez no mercado mundial de entorpecentes, sobretudo
cocaína. Fortaleceu-se e passou a ser uma ameaça global.
Neste país teme-se mais a ‘Ndrangheta que as agremiações antes referidas, por ser mais violenta e poderosa.
Neste país teme-se mais a ‘Ndrangheta que as agremiações antes referidas, por ser mais violenta e poderosa.
Tornou-se conhecida como uma influente organização criminosa após ter
falhado o Golpe Burghese (alusão aos
46 neofascistas supostamente implicados neste golpe, condenados em 29 de Maio
de 1977 por conspiração política e posteriormente absolvidos pelo Tribunal de
Apelação de Roma).
O seu padrinho, Paolo de Stefano é considerado o responsável por ter transformado a ‘Ndrangheta a partir de um grupo mafioso rural, numa das maiores organizações criminosas do mundo. Subestimada e considerada, durante muito tempo menos importante do que a Mafia siciliana, a ‘Ndrangheta fortaleceu-se e passou a ser uma ameaça global.
O seu padrinho, Paolo de Stefano é considerado o responsável por ter transformado a ‘Ndrangheta a partir de um grupo mafioso rural, numa das maiores organizações criminosas do mundo. Subestimada e considerada, durante muito tempo menos importante do que a Mafia siciliana, a ‘Ndrangheta fortaleceu-se e passou a ser uma ameaça global.
Dentro do seu país, a ‘Ndrangheta
atua com força no norte e no centro, em regiões como Piemonte, Lazia e mais
recentemente, também na Lombardia.
Pese embora os membros do crime organizado italiano sejam geralmente apodados
de mafiosi, os membros de qualquer clã 'ndrangheta distinguem-se por serem conhecidos como 'ndrinus, e o clã como 'ndrina.
Não é fácil entrar na máfia calabresa, uma vez que esta se organiza em
torno de quase cem famílias favorecendo mais a linhagem que o mérito - daí a
sua extraordinária coesão - com mais de 5 mil membros só na península itálica,
num total que ascenderá a mais de 60 000 filiados, torna-se necessária uma
relação de consanguinidade para entrar na organização. Movem-se à vontade nos
meios que frequentam, mantendo uma aparência humilde, discreta, não ostentando sinais
exteriores de riqueza.
São raros os desertores ou «arrependidos» no seus seio. Até recentemente
registava-se em Itália unicamente 157 testemunhas de calabreses no programa
nacional de testemunhas.
As autoridades policiais estimam que a ‘Ndrangheta
fature mais de 45 mil milhões de euros por ano, o que equivalerá a 3,5% do PIB
italiano. Dessa faturação, 62% correspondem
ao produto da venda de cocaína.
De
acordo com o ministério do interior do seu país de origem, esta é a maior
«empresa» de Itália, muito acima da
Ferrari ou a Fiat. Crê-se que em
2013 faturou 53 000 milhões de euros, mais do que a McDonalds e o Deutsch Bank
juntos.
Os
seus negócios são provenientes do tráfico de droga, da extorsão e da usura, do
comércio de armas, exploração da prostituição, empresas de construção,
restaurantes, supermercados e da lavagem de dinheiro através de grandes
contratos de obras públicas que conseguem por intermédio das suas relações com
altos dirigentes políticos, entre outras atividades ilícitas.
Opera a partir da Calábria, daí ser conhecida como máfia calabresa. Por vezes unem-se à máfia siciliana dada a sua proximidade, no entanto são muito diferentes em estrutura e ação.
Opera a partir da Calábria, daí ser conhecida como máfia calabresa. Por vezes unem-se à máfia siciliana dada a sua proximidade, no entanto são muito diferentes em estrutura e ação.
O
Santuario della Madonna di Polsi, em San
Lucas, na Calábria, é considerado o seu principal refúgio e um dos principais
locais de reunião dos seus membros.
Pelle, Vottari, Pesce, Condello, Bellocco,
Nirta, Strangio, Barbaro, Acquino, Trimboli, Commisso, Piromalli, Molè,
Mancuso, Arena, Farao
e Morabito, são algumas das suas
famílias mais conhecidas.
Nas
últimas décadas a ‘Ndrangheta
estendeu os seus tentáculos económicos por numerosos países com a Alemanha, França,
Reino Unido, Suíça, Bélgica, Espanha, Portugal, entre outros, aproveitando-se ainda das comunidades de italianos
emigrantes para criar bases em mais de 30 países.
A
Banca italiana define as referidas organizações criminosas como «as principais
empresas do país», por juntas obterem uma faturação anual estimada em mais de
150 000 milhões de euros, representando 10% do PIB italiano.
No caso da ‘Ndrangheta, cerca
de 62% dos seus lucros são provenientes da venda e distribuição da cocaína na
Europa; quer dizer, 27 milhões de euros. Através das suas «filiais» noutros
países detém 80% das vendas deste estupefaciente, controlando a maior parte das
portas de acesso da droga ao velho continente. Em vez de simplesmente comprar a
droga, a ‘Ndrangheta torna-se sócia
do empreendimento, envia calabreses para morar nos locais de produção e
distribuição e, caso necessário, força casamentos e comunhões entre famílias conforme
a antiga tradição mafiosa.
Argentina, Perú, Bolívia, Equador e
Colômbia, são pontos de referência para a compra de drogas. Cada quilo de
cocaína que compram a estes produtores custa-lhes 500 mil euros. Os químicos
permitem-lhe aumentar a quantidade até obterem 4,5 quilos por cada quilo, e
cada grama é vendida ao consumidor europeu a 50 euros. Isto é, por cada quilo os
narcotraficantes têm um lucro de 225 mil euros.
Em seguida os lucros obtidos são investidos
desde Roma até às zonas mais ricas da Europa, na Alemanha, na Bélgica, na
Holanda, em especial no setor imobiliário.
A maior fatia do facturamento é proveniente da venda da droga, porém, a 'Ndrangheta pratica ainda hoje o sistema
de extorsão que tornou célebre este género de clãs italianos. Trata-se de o pizzo, raiz indissociável das regiões do
sul da Itália, berço de todas as máfias, que
é cobrado a empreendedores e profissionais liberais - nomeadamente comerciantes
e industriais - em troca de «proteção».
O facturamento com esse tipo de atividade - cerca de 3 mil milhões de
euros por ano - é baixo se comparado às transações globais de dinheiro nos
cofres desta organização.
A Confederação das Indústrias da Calábria estima que cerca de 70% dos
empresários locais pagam o pizzo, quer em dinheiro, quer empregando
pessoas indicadas pelos clãs ou comprando a revendedores impostos pela
organização.
A extorsão serve, na verdade, para manter uma tradição: a do controle do
território. Mesmo sendo uma «multinacional» do crime, a 'Ndrangheta continua a estar ainda hoje umbilicalmente ligada à
sua terra.
Desde que nascem, espera-se que os filhos dos ‘ndranghetisti sigam os passos dos seus pais. Durante a juventude, os «herdeiros» passam por um processo de aprendizagem para se converterem em giovani d’onore (jovens de honra), podendo cada qual aspirar a entrar na organização como um dos 1 527 uomini d’onore (homens de honra).
Desde que nascem, espera-se que os filhos dos ‘ndranghetisti sigam os passos dos seus pais. Durante a juventude, os «herdeiros» passam por um processo de aprendizagem para se converterem em giovani d’onore (jovens de honra), podendo cada qual aspirar a entrar na organização como um dos 1 527 uomini d’onore (homens de honra).
Esta organização foi – e é - fundamental para configurar uma estrutura
que, diferentemente da máfia siciliana é horizontal, o que os ajudou a criar
uma base sólida que suportou a formação de uma superestrutura formal que foi
necessária até 1991, quando os conflitos entre as famílias ameaçavam sair de
controlo. Enquanto na Cosa Nostra há
um capo, na 'Ndrangheta há
vários.
Desde então, por consenso, foi decidido designar um chefe máximo da
organização, cujas funções estão centradas na resolução de conflitos.
A seguir a esta figura encontra-se A
Província, uma estrutura formada pelos chefes das principais famílias a que
todos os membros devem obediência. Além disso, contam com um Tribunal encarregue de resolver disputas
internas comuns.
A sua organização propicia-lhe duas coisas fundamentais: a primeira
delas é que se um chefe de família for preso, a estrutura é pouco abalada dado
que não existe uma figura centralizadora comandando as demais. A segunda delas
é o seu estilo de investimento. – A
'Ndrangheta funciona por meio de participações. Para importar um
carregamento de cocaína da América do Sul, por exemplo, várias famílias
investem dinheiro. Caso esta seja apreendida, muitos perdem pouco, o prejuízo é
desta forma diluído entre todos.
Na verdade, independentemente do facto de muitos dos chefes se
encontrarem fora da região, todos os uomos
d’onore devem assistir às reuniões regulares no Santuario della Madonna di Polsi.
Dado que a 'Ndrangheta é uma
organização familiar, frequentemente forçando casamentos entre descendentes de
famílias, isso praticamente elimina a figura do pentito, o mafioso
colaborar da Justiça.
Historicamente, a figura do pentito
é a chave que a Justiça utiliza para abrir os cofres e os caixões das máfias.
Sem eles, a ação das forças policiais e jurídicas fica extremamente limitada.
A Educação dos uomos d’onore
Graças aos chorudos proventos auferidos com as suas atividades económicas, cada uma destas famílias enviam para estudarem, alguns dos seus filhos e netos nas mais prestigiadas universidades de Milão e outras cidades italianas.
Estes estudantes, vulgarmente chamados de juniors, veem a falar vários idiomas, a possuir
títulos académicos importantes e tornam-se membros ativos na sociedade e nas atividades economicas.
A força da ‘Ndrangheta é reforçada, quando estes juniors conseguem estabelecer relações
com políticos e empresários para desenvolverem os seus negócios, mesmo que
aparentemente lícitos.
Mas a ‘Ndrangheta também
acedeu à economia legal. Um dos setores em que se encontra presente é o da
gestão do fornecimento de água e de resíduos sólidos, a qual lhe permite
auferir chorudos lucros com baixo risco. Sem dúvida que a organização tem uma enorme capacidade para corromper e
beneficiar dos fundos públicos, sendo que atualmente é muito difícil lutar
contra o crime organizado, uma vez que os mafiosos lograram chegar aos altos
cargos públicos, ao mundo dos negócios, a toda a economia, estendendo os seus
tentáculos aos aparelhos dos Estados.
A
‘Ndrangheta em Portugal
De acordo com Gomorra, um
livro publicado por Francesco Forgione, antigo presidente da Comissão Anti Mafia do parlamento
italiano, e citando parte do relatório da Europol
inserto nele, datado de 2009, Portugal
tem um papel significativo no tráfico de droga protagonizado pela ‘Ndrangheta,
o principal grupo mafioso italiano envolvido nas redes de cocaína. Salientando
que, «embora a maioria da cocaína negociada pela ‘Ndrangheta chegue a Itália
por via marítima, diretamente da “fonte”, a Colômbia, a droga é também, em
quantidade significativa, distribuída através de Portugal, em alguma quantidade
via França, mas especialmente através da Alemanha, onde o crime organizado
italiano tem importantes bases de apoio (…) os membros italianos apoiam-se nos
grupos de crime organizado envolvidos no tráfico de cocaína em Portugal».
Neste seu livro, Forgione refere Faro e Setúbal – ambas com portos e
zonas costeiras apropriadas para desembarques – como locais de bases da mafia
calabresa, sendo que a Camorra possui igualmente um clã em Cascais e outro no
Porto, com participação de operacionais portugueses e brasileiros.
Os tentáculos da ação da ‘Ndrangheta em Portugal – e outros países da
Europa especialmente os que estão em crise – por via da aliança com o maior e
mais sanguinário cartel mexicano da atualidade, os Zetas, tornaram-se muitos
mais complexos.
De
acordo com a Procuradoria Distrital
Antimafia de Reggio Calábria, a
‘Ndrangheta domina o mercado da cocaína na Europa, graças às relações com
os narcotraficantes colombianos, mas sobretudo graças à aliança com os Zetas.
Recentemente, no passado mês de Abril, uma operação da polícia portuguesa desmantelou e deteve um grupo de 44 membros da ‘Ndrangheta, no Porto de Leixões e apreendeu mais de 300 quilos de cocaína que ia ser transacionada para a Europa.
Recentemente, no passado mês de Abril, uma operação da polícia portuguesa desmantelou e deteve um grupo de 44 membros da ‘Ndrangheta, no Porto de Leixões e apreendeu mais de 300 quilos de cocaína que ia ser transacionada para a Europa.
NOTA
Para
o leitor interessado em aprofundar este tema, pode consultar imensa bibliografia
em diversas línguas, assim como artigos publicados na internet.
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