segunda-feira, 14 de julho de 2014

COSA NOSTRA - A MÁFIA NAPOLITANA





Por Pedro Manuel Pereira


A origem desta sociedade remonta a 1812, quando o rei de Nápoles publicou um édito para eliminar as «forças populares» que tinham surgido no sul de Itália e em particular na Sicília.
Os latifundiários, que se comportavam como verdadeiros senhores feudais, como forma de resistirem ao referido édito contrataram indivíduos denominados «homens de honra», criando-se assim uma quase sociedade secreta que denominaram de Máfia. Este termo foi retirado do adjetivo siciliano mafiusu, que tem as suas raízes no árabe mahyas, que numa interpretação livre significa, bravo.
Para alguns mafiosos, o verdadeiro nome da Máfia é Cosa Nostra, cuja tradução literal é, coisa nossa ou ainda, assunto nosso ou nosso assunto.
O termo, Cosa Nostra, foi utilizado pela primeira vez no início dos anos de 1960, nos EUA por Leonardo Marcelo Camargo, um «arrependido», membro dessa organização, que se tornou testemunha do Estado (nos EUA) durante as audiências da Comissão McClellan. Designação logo adotada pelo FBI e rapidamente disseminada pela comunicação social
Uma segunda etapa tem início com o fim do Reino de Nápoles, quando esta e outras sociedades secretas começaram a lutar contra as dinastias espanholas e francesas, que sucederam ao trono de Nápoles.
Desta forma, a Máfia passou de sociedade secreta a movimento de resistência aos invasores. Por tal facto, granjeou o apoio do povo por esta ser uma organização patriótica. Em pouco tempo passou a contar com a colaboração de 120 mil camponeses, que transformaram a luta contra o invasor pela sua sobrevivência, numa questão de defesa da honra.
Neste sentido, a base da lealdade entre os seus membros assentou desde logo em laços de consanguinidade, criando-se a cultura da obediência a regras próprias, como a não cooperação com as autoridades e a retaliação a qualquer ofensa a um membro da família.
Esta é historicamente conhecida com a fase de uma «máfia agrária», da luta contra os latifundiários, que terminou com a derrota dos camponeses e a emigração em massa, sobretudo para o continente americano (Norte e Sul) e Austrália. Nesta fase a agricultura cedeu espaço ao setor produtivo.
No final do século XIX, alvores do século XX, a miséria abateu-se fortemente sobre o sul de Itália, período em que os mafiosos além de emigrarem viajavam pela península itálica à procura de melhores condições de vida. Porém, confrontam-se muitas vezes com a rejeição dos povos das regiões por onde passam, pelo que se veem na contingência de se organizarem em sociedade de autodefesa. Daí à criminalização foi um passo.
Na verdade, desde 1890, a Máfia torna-se uma sociedade organizada e dotada de poder económico e político, desenvolvendo ações no seu território, em outros países europeus, no continente americano e na Austrália.
Com a associação das famiglias da Cosa Nostra italiana residentes nos Estados Unidos da América, sobretudo na costa Leste, surge a terceira fase desta corporação. Famílias compostas, por núcleos de parentes, incluindo os americanos, são complementadas por pessoas referidas como amigas, indicadas pelos familiares.
Esta fase de desenvolvimento urbano decorre até ao final da década de 1960, quando os membros mafiosos se inserem em quase todos os sectores de atividade económica, em especial no da construção civil e obras públicas. 
Os alvores da década de 1970 assistem ao início da quarte e última fase, quando a «máfia-empreendedora» se transforma em «máfia-financeira». Num primeiro momento a Cosa Nostra tinha como primeiras, entre as suas atividades, o negócio do contrabando de cigarros e a corrupção nas obras públicas. Em seguida o seu principal negócio passa a ser o do tráfico de drogas.
Entrementes, no decorrer dos anos entre 1940 e 1990, passaram a controlar os processos eleitorais na Sicília, o que lhes vai permitir adquirir enorme ascendente sobre o poder central, em Roma. Nessa fase chegam a possuir 180 clãs, número que foi aferido juntamente com a estrutura da organização, pelo Juiz Geovanni Falcone e o Procurador Paolo Borsellino, que viriam ambos a ser assassinados por membros da organização. Quanto a esta relataram da sua estrutura da seguinte forma:
 - A base da organização é a família, que controla um bairro ou uma cidade, constituída por homens de honra, «soldados», agrupados em número de dez. Cada grupo é coordenado por um capodecina;
- Os membros da famiglia elegem um capo-famiglia, que é assistido por um Consigliere. Este é, normalmente, uma pessoa de notável inteligência, sagaz e é auxiliado por um vicecapi;
- Três ou mais famiglias unidas, cujas áreas de atuação sejam contíguas, constitui um mandamenti. Por sua vez nomeiam um capomandamenti, que invariavelmente é um capo-famiglia, podendo, no entanto ser uma pessoa diferente;
- Por seu turno, os capomandamenti constituem uma estrutura colegial, denominada Copola, a qual possui a função de garantir o cumprimento das regras da Máfia e de «compor as vertentes da famiglia», presidida por um dos capomandamenti, chamado Secretario ou Capo;
- Existe também um colegiado superior, chamado interprovinciale, de que pouco se sabe sobre ele, mantendo um caráter secreto;
- A face mais notável da Cosa Nostra é a sua semelhança com um Estado, dado que exerce domínio territorial e «taxa» as suas atividades de «proteção» (como quem cobra impostos). Os que pagam à Máfia recebem a sua proteção, enquanto os que se recusam a pagar são alvos de retaliações que muitas vezes conduzem ao encerramento das suas atividades e/ou agressões físicas ou morte.
Para além disso, a sua interferência nos Estados onde estão presentes é muito marcante, através de subornos e da corrupção dos agentes das máquinas estatais. 

Rituais de Iniciação na Cosa Nostra
A Cosa Nostra «apossou-se» de juramentos e rituais maçónicos, como a cerimónia de iniciação, e adaptou-os em função do seu modus operandi específico da e da sua «filosofia».
Desta forma, o ritual de iniciação de um neófito nesta organização tem lugar quando um homem se torna membro da estrutura e depois soldado.
Assim, o candidato é conduzido à presença de pelo menos três homens de honra da famiglia, sendo que o mais velho deles o adverte que, «esta Casa tem como função proteger o fraco do abuso do poderoso». Em seguida fura um dedo do iniciando deixando pingar o seu sangue sobre uma imagem sagrada, geralmente uma madona em cera.
A imagem da santa em forma de vela acesa é colocada numa mão do neófito, que deve aguentar a dor da queimadura desta a derreter, passando a imagem de uma mão para a outra, até a imagem ser consumida por completo, ao mesmo tempo que promete manter a fé aos princípios da Cosa Nostra, jurando solenemente, «Que a minha carne queime com esta santa se eu faltar ao meu juramento».
Após este ano solene, o iniciado fica também obrigado à lei do silêncio, chamada omertà, que proíbe homens e mulheres desta sociedade de cooperarem sob que forma for, com a polícia ou com o governo, sob pena de morte.
Organização Hierárquica
Cada grupo é denominado Famiglia ou Cosca, que se organiza da seguinte forma:
. Capo –Está no topo da hierarquia. É também chamado de Don. Todas as decisões da famiglia passam por ele, devendo chegar-lhe uma percentagem dos lucros de todas as operações efetuadas pelos seus membros;
. Sottocapo – Surge a seguir ao Capo. É substituto temporário na ausência do chefe e intermediário entre este e os outros membros abaixo na hierarquia;
. Consigliere – Atua como conselheiro do Don, e é o único que pode dar uma segunda opinião ao chefe. Este lugar costuma ser ocupado por um indivíduo com muita experiência e capacidade para intermediar negociações e gerir conflitos;
. Caporegimes – Subordinados diretamente ao Subchefe, conhecidos como Capitães. Cada um deles comanda um regime ou equipe, que são compostos por soldatos e associados. Uma percentagem do lucro obtido por esta equipa é entregue diretamente ao chefe da famiglia em forma de tributo;
. Soldatos – É o posto base da hierarquia. São membros efetivos da organização, conhecidos como homens feitos. São os responsáveis pela condução das operações nas ruas e pela execução dos serviços de maior importância. A condição básica para se tornar membro efetivo da famiglia é possuir predominantemente ascendência italiana no caso da máfia italo-americana, e completa no caso da Cosa Nostra;
. Associados – São membros externos da organização. Muito embora não façam parte da famiglia, atuam como colaboradores dos membros efetivos. Em função da influência e poder, o associado pode atuar junto dos postos mais altos da hierarquia de uma famiglia.
Os Dez Princípios
Em novembro de 2007, as autoridades policias sicilianas declararam ter encontrado nos esconderijos do Capo Salvatore Lo Piccolo, uma lista com dez princípios da Cosa Nostra, isto é, um código de conduta, como se segue:
1.    Ninguém pode apresentar-se diretamente a um dos nossos amigos. Isso deve ser feito por um terceiro;
2. Nunca olhes para as mulheres dos teus amigos;
3. Nunca sejas visto com polícias;
4. Não vás a bares ou discotecas;
5. Estar sempre à disposição da Cosa Nostra é um dever, mesmo quando a tua mulher estiver prestes a dar à luz;
6. Os compromissos devem ser sempre honrados;
7. As mulheres devem ser tratadas com respeito;
8. Quando te for solicitada uma informação, a resposta deve ser a verdade;
9. Não podes apropriar-te de dinheiro pertencente a outras famílias ou outros mafiosos;
10. Pessoas que não podem fazer parte da Cosa Nostra: - Quem tenha um parente próximo na polícia; quem tenha um parente infiel na família; quem se comporte mal ou que não tenha valores morais.
A guerra no seio da Máfia nos inícios dos anos 1980 decorreu como um conflito em larga escala que resultou em assassinatos de vários políticos, chefes de polícia e magistrados.
O primeiro pentito (mafioso capturado que colaborou com o sistema judicial) foi Tommaso Buscetta, que denunciou em 1983, nomes e situações relacionadas com as ações da Cosa Nostra ao Juíz Giovanni Falcone que culminou num mega julgamento de centenas de mafiosos em 1986/1987. As condenações foram confirmadas pelo Supremo Tribunal de Justiça em janeiro de 1992. Como vingança, o Capo Totò Riina mandou executar o político Salvatore Lima em março desse ano. Este indivíduo vinha de há muito a ser investigado, dado ser o elo de ligação entre a Máfia e o governo italiano. Decididamente havia prestado um mau serviço à Cosa Nostra.
E, tal como referido mais acima neste artigo, o Juíz Falcone e o promotor Paolo Borsellino acabaram executados alguns meses depois. Este acontecimento resultou na indignação popular, no desmantelamento do governo italiano da época e resultou na prisão de Riina em janeiro de 1993.
Entretanto, uma série de mais pentitos começaram a surgir, sendo que vários deles viriam a pagar um alto preço pela sua cooperação com as autoridades, normalmente através do assassinato de parentes seus. Quando desertores, como no caso de Francesco Marino Mannoia, a mãe, a tia e a sua irmã foram assassinadas como vingança. 
Por seu turno, os Corleonesi retaliaram com uma campanha de terrorismo e bombas colocadas em zonas turísticas de Itália como a Via dei Georgofili, em Florença; Via Palestro, em Milão; a Piazza San Giovanni, em Laterano e a Via San Teodoro, em Roma, deixando atrás de si um cortejo de 10 mortos e 93 feridos, tendo, além disso, causado enormes prejuízos no património histórico, como a Galeria dos Uffizi, por exemplo.
Salvatore (Totò) Riina, o último grande chefe da Cosa Nostra, foi condenado pela morte de 150 pessoas, 40 delas pessoalmente. Por isso foi sentenciado a 13 penas de prisão perpétua.

A Cosa Nostra nos Tempos Presentes
Atualmente a Cosa Nostra passa por tempos difíceis, a que, provavelmente, não será alheia a 'Ndrangheta, sua congénere mafiosa, mais poderosa, sobre a qual as autoridades policiais internacionais se mostram (aparentemente) impotentes para a controlar.
Assim, a caça aos membros da Cosa Nostra encontra-se bastante ativa por parte das autoridades dos países onde está presente. Como exemplos, em 5 de junho passado, no distrito de Bagheria, um dos bastiões históricos da Máfia, a polícia italiana deteve 31 alegados membros desta onorata società, nomeadamente das famílias Bagheria, Villabate, Ficarazzi e Altavilla Milicia, e vários homens de honra, como se definem os membros desta organização.
Ainda no dia 23 desse mês, as autoridades italianas detiveram em Palermo mais 95 membros, acusados de extorquir empresários sicilianos durante anos. Nesta operação foram desmantelados os clãs que controlavam as zonas de Resuttana e San Lorenzo, pelos mesmos magistrados italianos que estão a procurar esclarecer as negociações mantidas entre 1992 e 1994 entre o Estado e a Cosa Nostra, para pôr fim à onda de atentados ocorridos nessas datas. Totò Riina afirmou que nessa altura foi procurado pelos serviços secretos, dando a entender que agentes policiais estiveram envolvidos na morte dos magistrados Paolo Borselino e  Giovanni Falcone. Referiu ainda que, «A verdadeira máfia são os juízes e os políticos que se protegem entre eles. Eles descarregam a responsabilidade sobre os mafiosos».
A Máfia em Portugal
Em termos de presença e bases, é indiscutível que a Máfia se «passeia» por Portugal, inclusivamente dada a posição estratégica deste país.
Ao longo dos anos tem surgido notícias na comunicação social, dando conta desse «fenómeno», sendo que ultimamente tem escasseado matéria noticiosa sobre Portugal quanto a atividades da onorota socità, talvez pelo facto de serem muito mais impactantes as notícias sobre o rebentamento de escândalos domésticos, onde se vislumbram por vezes organizações nacionais a imitarem a face mais negra da Máfia.
Ainda assim, e a título de exemplo, em outubro de 2010, a Polícia Judiciária deteve quatro italianos, dois portugueses e uma brasileira, no Bombarral. Um dos italianos era Giovanni Lore, um chefe da Cosa Nostra. Encontrava-se em fuga de Itália após uma operação anti-máfia, na qual foram presos cerca de trinta mafiosos, e sob o qual pendia um mandato de captura europeu.
Foi acusado pelas autoridades portuguesas de associação criminosa, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.
Aparentemente o bando dedicava-se à compra de diverso tipo de mercadorias, que depois vendiam sem pagar ao fornecedor.
Em Jeito de Conclusão Sumaríssima
Embora a estrutura da Cosa Nostra se encontre bastante debilitada, muitos sicilianos continuam a não considerar esses homens como criminosos, mas como modelos ou protetores, uma vez que as estruturas do Estado foram incapazes até hoje de oferecer proteção aos fracos e aos pobres.

NOTA
Para o leitor interessado em aprofundar este tema, pode consultar imensa bibliografia em diversas línguas, assim como centenas de artigos publicados na internet.

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