Por Pedro Manuel Pereira
A origem desta sociedade remonta a 1812, quando o rei
de Nápoles publicou um édito para eliminar as «forças populares» que tinham
surgido no sul de Itália e em particular na Sicília.
Os latifundiários, que se comportavam como verdadeiros
senhores feudais, como forma de resistirem ao referido édito contrataram
indivíduos denominados «homens de honra», criando-se assim uma quase sociedade
secreta que denominaram de Máfia. Este
termo foi retirado do adjetivo siciliano mafiusu,
que tem as suas raízes no árabe mahyas,
que numa interpretação livre significa, bravo.
Para alguns mafiosos, o verdadeiro nome da Máfia é Cosa Nostra, cuja
tradução literal é, coisa nossa ou
ainda, assunto nosso ou nosso assunto.
O termo, Cosa
Nostra, foi utilizado pela primeira vez no início dos anos de 1960, nos EUA
por Leonardo Marcelo Camargo, um «arrependido», membro dessa organização, que
se tornou testemunha do Estado (nos EUA) durante as audiências da Comissão
McClellan. Designação logo adotada pelo FBI e rapidamente disseminada pela
comunicação social
Uma segunda etapa tem início com o fim do Reino de
Nápoles, quando esta e outras sociedades secretas começaram a lutar contra as
dinastias espanholas e francesas, que sucederam ao trono de Nápoles.
Desta forma, a Máfia
passou de sociedade secreta a movimento de resistência aos invasores. Por tal
facto, granjeou o apoio do povo por esta ser uma organização patriótica. Em
pouco tempo passou a contar com a colaboração de 120 mil camponeses, que
transformaram a luta contra o invasor pela sua sobrevivência, numa questão de defesa da honra.
Neste sentido, a base da lealdade entre os seus
membros assentou desde logo em laços de consanguinidade, criando-se a cultura
da obediência a regras próprias, como a não cooperação com as autoridades e a
retaliação a qualquer ofensa a um membro da família.
Esta é historicamente conhecida com a fase de uma
«máfia agrária», da luta contra os latifundiários, que terminou com a derrota
dos camponeses e a emigração em massa, sobretudo para o continente americano
(Norte e Sul) e Austrália. Nesta fase a agricultura cedeu espaço ao setor
produtivo.
No final do século XIX, alvores do século XX, a
miséria abateu-se fortemente sobre o sul de Itália, período em que os mafiosos
além de emigrarem viajavam pela península itálica à procura de melhores
condições de vida. Porém, confrontam-se muitas vezes com a rejeição dos povos
das regiões por onde passam, pelo que se veem na contingência de se organizarem
em sociedade de autodefesa. Daí à criminalização foi um passo.
Na verdade, desde 1890, a Máfia torna-se uma sociedade organizada e dotada de poder económico
e político, desenvolvendo ações no seu território, em outros países europeus,
no continente americano e na Austrália.
Com a associação das famiglias da Cosa Nostra
italiana residentes nos Estados Unidos da América, sobretudo na costa Leste,
surge a terceira fase desta corporação. Famílias compostas, por núcleos de
parentes, incluindo os americanos, são complementadas por pessoas referidas
como amigas, indicadas pelos familiares.
Esta fase de desenvolvimento urbano decorre até ao
final da década de 1960, quando os membros mafiosos se inserem em quase todos
os sectores de atividade económica, em especial no da construção civil e obras
públicas.
Os alvores
da década de 1970 assistem ao início da quarte e última fase, quando a
«máfia-empreendedora» se transforma em «máfia-financeira». Num primeiro momento
a Cosa Nostra tinha como primeiras,
entre as suas atividades, o negócio do contrabando de cigarros e a corrupção
nas obras públicas. Em seguida o seu principal negócio passa a ser o do tráfico
de drogas.
Entrementes,
no decorrer dos anos entre 1940 e 1990, passaram a controlar os processos
eleitorais na Sicília, o que lhes vai permitir adquirir enorme ascendente sobre
o poder central, em Roma. Nessa fase chegam a possuir 180 clãs, número que foi
aferido juntamente com a estrutura da organização, pelo Juiz Geovanni Falcone e
o Procurador Paolo Borsellino, que viriam ambos a ser assassinados por membros
da organização. Quanto a esta
relataram da sua estrutura da seguinte forma:
- A base da
organização é a família, que controla um bairro ou uma cidade, constituída por
homens de honra, «soldados», agrupados em número de dez. Cada grupo é
coordenado por um capodecina;
- Os membros da famiglia
elegem um capo-famiglia, que é
assistido por um Consigliere. Este é,
normalmente, uma pessoa de notável inteligência, sagaz e é auxiliado por um vicecapi;
- Três ou mais famiglias
unidas, cujas áreas de atuação sejam contíguas, constitui um mandamenti. Por sua vez nomeiam um capomandamenti, que invariavelmente é um
capo-famiglia, podendo, no entanto
ser uma pessoa diferente;
- Por seu turno, os capomandamenti constituem uma estrutura colegial, denominada Copola, a qual possui a função de
garantir o cumprimento das regras da Máfia e de «compor as vertentes da famiglia», presidida por um dos capomandamenti, chamado Secretario ou Capo;
- Existe também um colegiado superior, chamado interprovinciale, de que pouco se sabe
sobre ele, mantendo um caráter secreto;
- A face mais notável da Cosa Nostra é a sua semelhança com um Estado, dado que exerce
domínio territorial e «taxa» as suas atividades de «proteção» (como quem cobra
impostos). Os que pagam à Máfia
recebem a sua proteção, enquanto os que se recusam a pagar são alvos de
retaliações que muitas vezes conduzem ao encerramento das suas atividades e/ou
agressões físicas ou morte.
Para além disso, a sua interferência nos Estados onde
estão presentes é muito marcante, através de subornos e da corrupção dos
agentes das máquinas estatais.
Rituais de
Iniciação na Cosa Nostra
A Cosa Nostra
«apossou-se» de juramentos e rituais maçónicos, como a cerimónia de iniciação,
e adaptou-os em função do seu modus
operandi específico da e da sua «filosofia».
Desta forma, o ritual
de iniciação de um neófito nesta organização tem lugar quando um homem se torna
membro da estrutura e depois soldado.
Assim, o candidato é conduzido à presença de pelo
menos três homens de honra da famiglia, sendo que o mais velho deles o
adverte que, «esta Casa tem como função proteger o fraco do abuso do poderoso».
Em seguida fura um dedo do iniciando deixando pingar o seu sangue sobre uma
imagem sagrada, geralmente uma madona em
cera.
A imagem da santa em forma de vela acesa é colocada
numa mão do neófito, que deve aguentar a dor da queimadura desta a derreter,
passando a imagem de uma mão para a outra, até a imagem ser consumida por
completo, ao mesmo tempo que promete manter a fé aos princípios da Cosa Nostra, jurando solenemente, «Que a
minha carne queime com esta santa se eu faltar ao meu juramento».
Após este ano solene, o iniciado fica também obrigado
à lei do silêncio, chamada omertà,
que proíbe homens e mulheres desta sociedade de cooperarem sob que forma for,
com a polícia ou com o governo, sob pena de morte.
Organização
Hierárquica
Cada grupo é
denominado Famiglia ou Cosca,
que se organiza da seguinte forma:
. Capo –Está no topo da hierarquia. É
também chamado de Don. Todas as
decisões da famiglia passam por ele,
devendo chegar-lhe uma percentagem dos lucros de todas as operações efetuadas
pelos seus membros;
. Sottocapo – Surge a seguir ao Capo. É substituto temporário na
ausência do chefe e intermediário entre este e os outros membros abaixo na
hierarquia;
. Consigliere – Atua como
conselheiro do Don, e é o único que
pode dar uma segunda opinião ao chefe. Este lugar costuma ser ocupado por um
indivíduo com muita experiência e capacidade para intermediar negociações e
gerir conflitos;
. Caporegimes –
Subordinados diretamente ao Subchefe,
conhecidos como Capitães. Cada um
deles comanda um regime ou equipe,
que são compostos por soldatos e
associados. Uma percentagem do lucro obtido por esta equipa é entregue
diretamente ao chefe da famiglia em
forma de tributo;
. Soldatos – É o posto
base da hierarquia. São membros efetivos da organização, conhecidos como homens feitos. São os responsáveis pela
condução das operações nas ruas e pela execução dos serviços de maior importância.
A condição básica para se tornar membro efetivo da famiglia é possuir predominantemente ascendência italiana no caso
da máfia italo-americana, e completa
no caso da Cosa Nostra;
. Associados – São
membros externos da organização. Muito embora não façam parte da famiglia, atuam como colaboradores dos
membros efetivos. Em função da influência e poder, o associado pode atuar junto
dos postos mais altos da hierarquia de uma famiglia.
Os Dez Princípios
Em novembro de 2007, as autoridades policias
sicilianas declararam ter encontrado nos esconderijos do Capo Salvatore Lo Piccolo, uma lista com dez princípios da Cosa Nostra, isto é, um código de
conduta, como se segue:
1. Ninguém pode
apresentar-se diretamente a um dos nossos amigos. Isso deve ser feito por um
terceiro;
2. Nunca olhes para as mulheres dos
teus amigos;
3. Nunca sejas visto com polícias;
4. Não vás a bares ou discotecas;
5. Estar sempre à disposição da Cosa Nostra é um dever, mesmo quando a tua mulher estiver prestes a dar à luz;
6. Os compromissos devem ser sempre honrados;
7. As mulheres devem ser tratadas com respeito;
8. Quando te for solicitada uma informação, a resposta deve ser a verdade;
9. Não podes apropriar-te de dinheiro pertencente a outras famílias ou outros mafiosos;
10. Pessoas que não podem fazer parte da Cosa Nostra: - Quem tenha um parente próximo na polícia; quem tenha um parente infiel na família; quem se comporte mal ou que não tenha valores morais.
3. Nunca sejas visto com polícias;
4. Não vás a bares ou discotecas;
5. Estar sempre à disposição da Cosa Nostra é um dever, mesmo quando a tua mulher estiver prestes a dar à luz;
6. Os compromissos devem ser sempre honrados;
7. As mulheres devem ser tratadas com respeito;
8. Quando te for solicitada uma informação, a resposta deve ser a verdade;
9. Não podes apropriar-te de dinheiro pertencente a outras famílias ou outros mafiosos;
10. Pessoas que não podem fazer parte da Cosa Nostra: - Quem tenha um parente próximo na polícia; quem tenha um parente infiel na família; quem se comporte mal ou que não tenha valores morais.
A guerra no
seio da Máfia nos inícios dos anos
1980 decorreu como um conflito em larga escala que resultou em assassinatos de
vários políticos, chefes de polícia e magistrados.
O primeiro pentito (mafioso capturado que
colaborou com o sistema judicial) foi Tommaso Buscetta, que denunciou em 1983,
nomes e situações relacionadas com as ações da Cosa Nostra ao Juíz Giovanni Falcone que culminou num mega
julgamento de centenas de mafiosos em 1986/1987. As condenações foram
confirmadas pelo Supremo Tribunal de Justiça em janeiro de 1992. Como vingança,
o Capo Totò Riina mandou executar o político Salvatore Lima em março desse ano.
Este indivíduo vinha de há muito a ser investigado, dado ser o elo de ligação
entre a Máfia e o governo italiano.
Decididamente havia prestado um mau serviço à Cosa Nostra.
E, tal como referido mais acima neste artigo, o Juíz
Falcone e o promotor Paolo Borsellino acabaram executados alguns meses depois.
Este acontecimento resultou na indignação popular, no desmantelamento do
governo italiano da época e resultou na prisão de Riina em janeiro de 1993.
Entretanto, uma série de mais pentitos começaram a surgir, sendo que vários deles viriam a pagar
um alto preço pela sua cooperação com as autoridades, normalmente através do
assassinato de parentes seus. Quando desertores, como no caso de Francesco
Marino Mannoia, a mãe, a tia e a sua irmã foram assassinadas como
vingança.
Por seu turno, os Corleonesi retaliaram com uma
campanha de terrorismo e bombas colocadas em zonas turísticas de Itália como a
Via dei Georgofili, em Florença; Via Palestro, em Milão; a Piazza San Giovanni,
em Laterano e a Via San Teodoro, em Roma, deixando atrás de si um cortejo de 10
mortos e 93 feridos, tendo, além disso, causado enormes prejuízos no património
histórico, como a Galeria dos Uffizi, por exemplo.
Salvatore
(Totò) Riina, o último grande chefe da Cosa
Nostra, foi condenado pela morte de 150 pessoas, 40 delas pessoalmente. Por
isso foi sentenciado a 13 penas de prisão perpétua.
A Cosa Nostra nos Tempos Presentes
Atualmente a Cosa Nostra passa por tempos difíceis, a que, provavelmente, não
será alheia a 'Ndrangheta, sua
congénere mafiosa, mais poderosa, sobre a qual as autoridades policiais
internacionais se mostram (aparentemente) impotentes para a controlar.
Assim, a caça
aos membros da Cosa Nostra
encontra-se bastante ativa por parte das autoridades dos países onde está
presente. Como exemplos, em 5 de junho passado, no distrito de Bagheria, um dos
bastiões históricos da Máfia, a
polícia italiana deteve 31 alegados membros desta onorata società, nomeadamente das famílias Bagheria, Villabate, Ficarazzi e Altavilla Milicia, e vários homens de honra, como se definem os
membros desta organização.
Ainda no dia
23 desse mês, as autoridades italianas detiveram em Palermo mais 95 membros,
acusados de extorquir empresários sicilianos durante anos. Nesta operação foram
desmantelados os clãs que controlavam as zonas de Resuttana e San Lorenzo,
pelos mesmos magistrados italianos que estão a procurar esclarecer as
negociações mantidas entre 1992 e 1994 entre o Estado e a Cosa Nostra, para pôr fim à onda de atentados ocorridos nessas
datas. Totò Riina afirmou que nessa altura foi procurado pelos serviços
secretos, dando a entender que agentes policiais estiveram envolvidos na morte
dos magistrados Paolo Borselino e Giovanni Falcone. Referiu ainda que, «A verdadeira máfia são os juízes e os
políticos que se protegem entre eles. Eles descarregam a responsabilidade sobre
os mafiosos».
A
Máfia em Portugal
Em termos de presença e bases, é
indiscutível que a Máfia se «passeia» por Portugal, inclusivamente dada a
posição estratégica deste país.
Ao longo dos anos tem surgido notícias
na comunicação social, dando conta desse «fenómeno», sendo que ultimamente tem
escasseado matéria noticiosa sobre Portugal quanto a atividades da onorota socità, talvez pelo facto de
serem muito mais impactantes as notícias sobre o rebentamento de escândalos
domésticos, onde se vislumbram por vezes organizações nacionais a imitarem a
face mais negra da Máfia.
Ainda assim, e a título de exemplo, em
outubro de 2010, a Polícia Judiciária deteve quatro italianos, dois portugueses
e uma brasileira, no Bombarral. Um dos italianos era Giovanni
Lore,
um chefe da Cosa Nostra. Encontrava-se
em fuga de Itália após uma operação anti-máfia,
na qual foram presos cerca de trinta mafiosos, e sob o qual pendia um mandato
de captura europeu.
Foi acusado pelas autoridades
portuguesas de associação criminosa, falsificação de documentos e branqueamento
de capitais.
Aparentemente o bando dedicava-se à
compra de diverso tipo de mercadorias, que depois vendiam sem pagar ao
fornecedor.
Em Jeito
de Conclusão Sumaríssima
Embora a estrutura da Cosa Nostra se encontre bastante debilitada, muitos sicilianos continuam a não considerar esses homens como criminosos, mas como modelos ou protetores, uma vez que as estruturas do Estado foram incapazes até hoje de oferecer proteção aos fracos e aos pobres.
Embora a estrutura da Cosa Nostra se encontre bastante debilitada, muitos sicilianos continuam a não considerar esses homens como criminosos, mas como modelos ou protetores, uma vez que as estruturas do Estado foram incapazes até hoje de oferecer proteção aos fracos e aos pobres.
NOTA
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este tema, pode consultar imensa bibliografia em diversas línguas, assim como
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