Por Pedro Manuel Pereira
«A casa da Garduña é a noite profunda.
O
alimento da Garduña é o segredo.
A
vida da Garduña é o sangue dos seus inimigos.»
Assim
seja
A mãe
da Máfia foi uma sociedade secreta criminosa parida
em Espanha, que numa primeira fase operou nesse país e nas suas colónias. Esteve
bastante activa desde os alvores do século XV até ao século XIX.
A Santa Garduña nasceu em Toledo
em 1412, cidade a partir de onde os seus próceres partiam para as incursões,
isto é, para o assalto e o roubo das habitações dos muçulmanos e dos judeus em
conluio com a sua mentora: a Inquisição.
Porém, em breve chegou a Sevilha,
onde o exponencial aumento populacional com o equivalente crescimento da
pobreza justificou a sua implantação e desenvolvimentos a breve trecho.
A esta cidade afluíam as pedras
preciosas, esmeraldas, pérolas, ouro e prata da recém conquistada América, com
o consequente auge da indústria de luxo, da banca e da criminalidade associadas à riqueza em ascensão.
A Garduña, também conhecida
por «la hermandad de la rapiña» foi, antes de mais, uma sociedade secreta
criada para efectuar trabalhos de limpeza social convenientes ao poder clerical.
O segredo mais bem guardado da Inquisição, o verdadeiro malleus maleficarum ao serviço da Santa Madre Igreja.
Os serviços fundamentais que
prestou foram, indiscutivelmente ao Santo Ofício, comummente conhecido por
Inquisição.
O seu nascimento foi
bafejado pelo facto de nessa época viver na cidade de Toledo uma abundante
população de não crentes e de conversos, que à hierarquia eclesiástica interessava
controlar, intimidar e frequentemente castigar extra-judicialmente.
Foi neste contexto que esta
associação de malfeitores prestou os seus primeiros serviços encontrando, assim,
a forma de se financiar e obter poder, exercendo “justiça” sobre pessoas às
quais a Inquisição queria chegar, porém, sem os entraves e o tempo que
implicava um tribunal do Santo Ofício e o conhecimento publico das suas
malfeitorias.
Graças a este contexto, a
Garduña foi o primeiro caso conhecido de um grémio local de marginais, que se
expandiu com êxito por amplos territórios aproveitando um novo enfoque baseado
em tornar-se útil aos seus mandantes, corrompendo as autoridades locais e o poder
local, para dessa forma agir em total impunidade.
Quando chegou o final do
século XVI, a Garduña operava em diversas cidades do que é hoje Castilla la
Mancha, o Norte da Andaluzia e Portugal. Porém, a grande oportunidade que se
apresentou a esta associação para que continuasse viva e de saúde, foi
no referido âmbito, dadas as deslocações maciças de muçulmanos no território
peninsular, sempre em fuga e a sua posterior expulsão.
Os muçulmanos ibéricos
representam o maior fracasso da história da Igreja em geral e da Inquisição em
particular. Mais do que aquilo que reporta ao catarismo e às restantes heresias
medievais.
Trata-se aqui de um amplo
grupo populacional, que pese embora o esforço evangelizador e de aculturação
sem precedentes ao longo de mais de um século, continuou inalteravelmente unido
como conjunto humano, mantendo na clandestinidade as suas práticas, ritos e
costumes.
Foi um fracasso gigantesco,
inegável e humilhante para a Igreja, com lições, ilações e implicações perigosas no seio
da cristandade.
Esta comunidade, ao
contrário dos cátaros, não era suficientemente estúpida para enfrentar a Igreja
e procurar o martírio. Só se mostravam autenticamente, na esfera privada das
suas comunidades fechadas onde a Inquisição não podia chegar nem obter provas
ou testemunhos tangíveis dos seus “delitos”. Centenas de milhar de hereges
viviam perante os seus narizes, desde há mais de cem anos, após a “reconquista
cristã”, ignorando a palavra de Cristo, fingindo aceitá-la, ano após ano. Era
uma afronta, um exemplo gravíssimo e intolerável.
Será neste contexto que os delinquentes
da Garduña souberam – e vieram – a tornar-se úteis, ganhando dessa forma uma grande
margem de actuação, dado que as autoridades faziam vista grossa quanto aos seus
actos.
Todos os membros deste grémio possuíam uma tatuagem em alguma parte do seu corpo, tatuagem essa que era uma gadanha (instrumento associado à morte)
com duas gotas de sangue.
Uma das suas máximas era “fazer
do possível o impossível”. Nunca deixar testemunhas dos seus actos.
Quando da expulsão dos muçulmanos sobreviventes em
Espanha (entre 1609 e 1614) e em Portugal ainda durante o século XVI, a Garduña
enriqueceu ao ser mais útil do que nunca a vários tipos de clientela - além da
Inquisição - para ajustes de conta. Foi-lhes possível roubar, sequestrar, violar
e matar os refugiados na total impunidade, deitar o gadanho às suas propriedades
pela coação e pela força, permitiu-se que indivíduos ricos se aproveitassem
para intimidar, roubar ou vingar-se dos mouros expulsos… Com tudo isto, não
faltaram oportunidades de negócios e de auferir chorudos favores nesses tempos.
A Garduña nasceu no contexto das
fraternidades criminosas dessa época, vindo a desenvolver enorme poder,
extensão e complexidade organizativa comparáveis às das grandes máfias modernas,
de muitas sociedades criminosas posteriores, tendo em conta que nasceu numa
época em que Nápoles e os seus territórios
pertenciam à Coroa espanhola, onde veio a florescer.
A sua estrutura interna era piramidal - como em
qualquer sociedade secreta – sendo que para ingresso os seus membros eram
sujeitos a provas iniciáticas. Possuíam palavras, toques e sinais para se
reconhecerem entre si. Esta pirâmide tinha cinco níveis. Assim: a
cúpula da organização era formada por um diretório secreto constituído por altos
protetores, composto de membros proeminentes da burguesía. Só estes tinham acesso ao Hermano Mayor, uma
personagem de alta condição social que
manejava a teia da estrutura e possuía às suas ordens vários capatazes (um por cada cidade).
Cada capataz dirigia dois tipos
distintos de malfeitores: os punteadores
(principalmente assassinos ou matadores) e os floreadores (quase todos ladrões de ofício).
A seguir aos punteadores e aos floreadores
encontravam-se os postulantes, que ajudavam os primeiros, recolhiam as
contribuições e aspiravam a alcançar a posição de punteador ou floreador.
Por último, estavam os fuelles ou aprendizes, que se
subdividiam em quatro tipos: soplones,
chivatos, coberteras e sirenas.
Os soplones eram mendigos ou idosos que tinham por missão principal
vigiar ou entrar em casas, acobertados nas suas condições, para saber o que
nelas havia e informarem o que valeria a pena roubar.
Os chivatos eram pessoas infiltradas, para recolherem informações. Os coberteras eram receptadores que vendiam
mercadoria roubada e as sirenas eram
as prostitutas, que constituíam valiosas fontes de informação para os delinquentes.
A Garduña operava na total
impunidade. Entre os seus filiados e colaboradores contavam-se juízes, governadores,
presidentes de Câmara e até directores de prisões.
Dissimulava-se como se fosse uma ordem religiosa, arrogando-se o direito
divino de roubar e assassinar. Como sociedade esotérica, aparentemente não possuía documentos escritos nem estatutos, comunicando as regras por que se
regia através das iniciações e posteriores elevações de grau.
O mais assombroso, é que apesar
de cometer toda a espécie de crimes era bastante religiosa. Os seus membros
rezavam pelos irmãos que haviam falecido e destinavam 10% dos seus proventos às
almas do Purgatório.
A traição às referidas normas
traduziam-se em condenação à morte.
Desta forma, existe a lenda divulgada por gentes da malavida em
geral e dos vários ritos da máfia
calabresa, que as varias máfias italianas foram criadas por três irmãos, cavaleiros
espanhóis da Garduña: Osso, Mastrosso e Carcagnosso, que no século XV fugiram de Toledo após vingarem com
sangue, a honra ultrajada de uma irmã.
Estes cavaleiros refugiaram-se na
ilha Favignana, no extremo ocidental de Sicília onde permaneceram 29 anos, 11
meses e 29 dias. Compilaram as regras sociais e o código de conduta da Garduña,
escrevendo-as e aplicando-as às organizações que criaram, identificadas
geralmente como Máfia.
Quando se separaram, cada um
deles levou consigo esse conjunto de normas para três lugares distintos: Osso, o mais velho dos três irmãos
permaneceu na ilha e criou a Cosa Nostra,
Mastrosso, atravessou o estreito de
Messina e deu-as a conhecer na Calábria originando a ‘Nrangheta e Carcagnosso,
o mais ambicioso dos três conseguiu alcançar Nápoles, uma das grandes cidades do poderosos reino de Aragão, promovendo a Camorra.
Curiosamente, nos inícios do
século XIX, ao mesmo tempo que apareceram as modernas organizações mafiosas a
Garduña desapareceu bruscamente, em pleno auge das sociedades secretas.
Embora durante séculos não
existissem documentos escritos conhecidos sobre esta organização, a sobranceria
e a vaidade levaram o último Hermano Mayor, Alfonso Cortina,
juntamente com apaniguados a escrever o chamado Libro Mayor onde eram relatadas as actividades históricas da
Garduña.
O livro foi descoberto em 1821 em
casa de Cortina, o qual foi arrestado sobre a acusação de assassinato, pelo
oficial de Caçadores, Manuel de Cuendías.
Na referida obra foram
inventariados os atentados que a Fraternidade executou ao longo dos séculos,
uma lista de irmãos e também de nomes
dos apoios subornados, membros dos poderes locais.
Ou porque estes últimos não queriam ver o seu nome associado à Garduña, ou porque ao ter sido feita uma
lista dos cabecilhas dessa organização, foram expostos desnecessariamente a uma captura em massa entre
1821 e 1822, a Garduña foi amplamente purgada no centro e no sul de Espanha, desconhecendo-se o que
sucedeu por via destes factos, com os seus membros em Portugal.
Em consequência deste achado, o Hermano Mayor e os seus lugares tenentes garduñistas (quinze) conhecidos foram julgados e executados na Plaza Mayor de Sevilha, em 25 de Novembro de 1822.
Ou porque estes últimos não queriam ver o seu nome associado à Garduña, ou porque ao ter sido feita uma
lista dos cabecilhas dessa organização, foram expostos desnecessariamente a uma captura em massa entre
1821 e 1822, a Garduña foi amplamente purgada no centro e no sul de Espanha, desconhecendo-se o que
sucedeu por via destes factos, com os seus membros em Portugal.
Em consequência deste achado, o Hermano Mayor e os seus lugares tenentes garduñistas (quinze) conhecidos foram julgados e executados na Plaza Mayor de Sevilha, em 25 de Novembro de 1822.
Não obstante, esta execução não
significou o fim da referida Irmandade e dos seus métodos de poder. Aproveitando
as regras e o código de conduta, foi ressuscitada em 1970 por iniciativa do
bispo M. L. - forte opositor do Concílio Vaticano II - através da F.
S. S. P. X.
Este prelado foi suspenso
ad divinis pelo papa em 1976, tendo visto
a suspensão ser revogada em 2009, pelo papa Bento XVI.
Esta organização, embora
ortodoxa, procura adaptar-se às circunstâncias das sociedades actuais,
intervindo de acordo com os novos tempos. Para tanto e de forma a alcançar os
seus fins, encontra-se organizada em distritos e casas repartidas pelos cinco continentes. Tem representação
em Portugal com a sua casa autónoma sediada em Espanha.
REGRAS - O Libro Mayor
1. Bom
olho, bom ouvido, boas pernas e pouca língua.
2. Receber
sobre a sua protecção as mulheres que sofram perseguições da justiça.
3. Os chivatos não podem no seu primeiro ano
de noviciado, montar “negócios” sozinhos.
4. Os punteadores encarregam-se dos negócios
de maior soma de dinheiro.
5. Os floreadores vivem à custa do seu
trabalho com um terço dos seus negócios e deixam algo para as almas do
Purgatório.
6. Os encubridores recebem dez por cento de
todas as somas.
7. As sirenas ficam com as ofertas dos nobres.
8. A
regra máxima é: “antes mártires que sacerdotes”.
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