Por Pedro Manuel Pereira
A descoberta em Lisboa em 22 de Maio de 1974 das instalações e dos arquivos de uma agência
portuguesa de «informações», dirigida por franceses que fugiram depois da queda
do regime salazarista dirigido por Marcelo Caetano, trouxeram à luz do dia as
ramificações de uma conspiração internacional com o objetivo de estabelecer uma
Nova Ordem na Europa, livre da
Democracia.
Um punhado de militares da revolução procuravam
descodificar numa
pequena sala de um primeiro andar, uma catrefada de dossiers, formulários mimeografados, ficheiros com títulos de «Máfia» ou
«Contribuidores Financeiros Alemães», por exemplo, recortes de jornais, velhas fotos, aparelhos para escutas
telefónicas, laboratório fotográfico para fabricar documentos falsos, matrizes
para impressão de bilhetes de identidade, cartas de condução, passaportes
franceses, documentos relativos a transações comerciais de
considerável magnitude e livros referentes a pagamentos de militares marcadas
com as iniciais e nomes codificados, assim como uma incrível
coleção de carimbos espanhóis, franceses e portugueses, próprios para
autenticar documentos falsos. Entre esses carimbos, encontravam-se os das
prefeituras de Haute-Garonne e de Oran, do serviço de passaportes da Prefeitura
de Polícia de Paris, da Ordem dos Advogados do Fórum de Annecy, da Alfândega de
Alicante, da comissão de carteiras de identificação de jornalistas franceses e
muitas assinaturas de diplomatas e oficiais superiores franceses.
A documentação encontrada
era composta por um impressionante número de referências a técnicas de
terrorismo, que eram ministrados em cursos de «treino especial» de centros de
formação em Portugal e em África. Nesses cursos eram ensinadas técnicas de
vigilância e de camuflagem, técnicas de contato entre agentes, técnicas de
interrogatório, técnicas e confissão de falsos álibis em caso de prisão e,
acima de tudo, técnicas de sabotagem em cada situação geográfica e política.
Uma atenção especial era
dedicada a missões especiais, visando tanto a infiltração como a guerra
psicológica.
Tratava-se
de arquivos de uma pequena «agência
de notícias», colocados ao
lado de documentos da
antiga polícia política portuguesa,
que foram entregues à guarda da Comissão
de Extinção da PIDE-DGS, incluindo a
troca de correspondência com esta polícia política no quadro das suas operações
especiais e missões de espionagem.
No
dia 22 de maio de 1974, menos de um mês depois do golpe de Estado (ou
revolução…) que derrubou 48 anos de ditadura salazarenta, um grupo de
fuzileiros capitaneados pelo tenente Moniz Matos investigou um
apartamento situado no elegante bairro da Lapa, em Lisboa. Situava-se na Rua
das Praças, num prédio moderno, com o nº13, na casa do Comandante
Valentin, francês, que havia cedido as instalações gratuitamente.
As
duas primeiras salas estavam mobiladas como escritórios, a terceira era um
laboratório fotográfico, na quarta estavam arquivos classificados divididos por
países, e por aí fora. O apartamento era a sede da agência Aginter-Press. O
proprietário da casa estava ausente em parte incerta. Quanto ao diretor da
agência, Capitão Yves Guérin-Sérac, outro francês, tinha desaparecido pouco
antes do golpe de Estado, sem que alguém pudesse informar para onde.
Recorde-se que após o 11 de março de
1975, a 2ª Divisão foi liquidada e o Conselho da Revolução criou em maio
seguinte, na sua dependência, para ocupar algumas das funções da extinta PIDE/DGS,
o SDCI
- Serviço Diretor e Coordenador de Informações, que viria ser extinto
formalmente em maio de 1976, através do Decreto-Lei nº385/76.
Yves Guillon, mais conhecido pelo pseudónimo de Yves
Guérain-Sérac, era especialista em operações de guerra clandestina a
quem os EUA tinham atribuído várias medalhas militares entre as quais a
Estrela de Bronze Americana.
Yves Sérac era um católico fervoroso
e ardente anticomunista recrutado pela CIA. Antigo oficial do exército francês
tinha assistido à derrota de França frente ao III Reich durante a 2ª Guerra
Mundial. Havia combatido na guerra da Indochina, na guerra da Coreia e na
guerra da Argélia. Em 1961 Guérain-Sérac fundou juntamente com outros oficiais
a OAS
- Organização do Exército Secreto, que lutou por uma Argélia
francesa e tentou destituir o governo do general de Gaulle para instaurar um
regime anticomunista.
Após a Argélia se ter tornado
independente em 1962, e de o general Charles De Gaulle ter dissolvido a
OAS, antigos oficiais do exército secreto, entre os quais Guérain-Sérac,
fugiram da Argélia e colocaram à disposição de ditadores da América Latina e da
Europa a sua valiosa experiência de guerra secreta, de operações clandestinas,
de terrorismo e de contra terrorismo, em troca do direito de asilo.
Guérain-Sérac como um genuíno
soldado da guerra-fria ofereceu os seus serviços a Salazar, tendo afirmado que,
«Os outros depuseram as armas, mas eu não. Depois da AOS fugi para Portugal
para continuar o combate e travá-lo à sua verdadeira escala, ou seja, à escala
planetária».
Neste país aliou-se a extremistas
franceses e a renegados da OAS. O antigo pétainista (de Marechal Pétain) Jacques
Ploncard d'Assac apresentou-o nos meios fascistas e a membros da PIDE e
da Legião
Portuguesa. Foi recrutado como instrutor da Legião e das unidades de
contraguerrilha do exército português. Foi assim que, com a ajuda da PIDE e da CIA,
juntamente com o terrorista de extrema-direita Stefano Delle Chiaie
criou a Aginter Press, um exército anticomunista ultrassecreto.
A CIA e a PIDE, e os serviços
secretos militares de Salazar, encarregaram-se de fornecer os fundos
necessários para o empreendimento terrorista do capitão Guérain-Sérac. «A
organização constituiu os seus próprios campos de treino nos quais mercenários
e terroristas seguiam um programa de três semanas de formação em operações
secretas que incluíam nomeadamente técnicas de atentados à bomba, assassínios
silenciosos, métodos de subversão, comunicações clandestinas, infiltração e
guerra colonial». Um desses campos situava-se no Algarve.
A Aginter Press nasceu no
seio da NATO, era financiada pela CIA e foi «parida» pela Gládio,
ligada umbilicalmente à famigerada Loja maçónica italiana P2.
As investigações tiveram início após as
revelações feitas por vários agentes da PIDE presos em Caxias. Segundo
afirmaram, «Trabalhávamos em estreita ligação com a Aginter-Press que ostentava
a fachada de agência de notícias, mas funcionava na prática em certas ações
como uma filial da PIDE-DGS».
A Gládio/Aginter Press esteve
implicada nos assassínios de líderes revolucionários africanos de primeiro
plano, como Amílcar Cabral e
Eduardo
Mondlane, este, presidente da
FRELIMO, mas também Humberto Delgado, entre outros.
No caso de Mondlane, por
exemplo, Roberto Leroy, braço
direito de Guérain-Sérac, viajou para a Tanzânia, entre 1968 e 1969, alegando
ser militante marxista-leninista e pró-chinês. Naquele país infiltrou-se junto
dos principais líderes da FRELIMO, onde realizou uma desinformação cuidada,
envenenando as relações entre os seus dirigentes, colocando os representantes
das várias tendências do movimento uns contra os outros. Eduardo Mondlane acabou
morto por um dispositivo explosivo sofisticado escondido dentro de um livro.
Esta agência não imprimia nem livros
nem brochuras, mas treinava terroristas de extrema-direita e efetuava golpes
sujos e operações clandestinas no interior e no exterior das fronteiras de
Portugal
Em
tempo, o extinto semanário O Jornal noticiou, «A rede
stay-behind, concebida no próprio seio da NATO e financiada pela CIA cuja
existência acaba de ser revelada por Giulio Andreotti, dispunha de um
ramo em Portugal, activo nos anos sessenta e setenta. Tinha o nome de Aginter Press».
Na altura da descoberta dos arquivos
desta agência, o tenente Moniz Matos ordenou a transferência para o Forte
de Caxias de tudo quanto foi encontrado nas instalações da Aginter. Uma
parte do carregamento — o que se encontrava nos escritórios e no laboratório —
foi trancada numa sala do primeiro andar do Forte. Uma outra parte — as caixas
e os dossiers com os recortes de jornais — ficaram amontoadas numa sala grande
junto à escada central, por falta de espaço. Poucos dias depois, o comandante
Abrantes Serra, novo responsável pelo Forte, incumbia o tenente
Costa Correia de proceder um inventário do material apreendido e de o
examinar minuciosamente.
Os primeiros relatórios do tenente
Correia são surpreendentes: na realidade, a Aginter Press não só escondia um
escritório internacional de informações políticas, como servia de cobertura
para uma importantíssima rede internacional de extrema-direita, o movimento Ordem
e Tradição, que se definia como «Uma organização de ação e de combate
em todos os momentos e em todos os países», tendo como braço militar, a ICAO –
Organização Internacional do Ação Contre Communisme.
O
governo português hesitou em abrir um inquérito sobre a Aginter Press e a
guerra secreta, e acabou por decidir que todos os documentos fossem – foram
alegadamente - destruídos pelos militares portugueses com receio de graves
implicações diplomáticas com os governos de Itália, França, Alemanha, EUA e
outros, caso as atividades da Aginter nos vários países fossem reveladas.
O
dossier da Aginter «foi subtraído à Comissão de Extinção da PIDE e da Legião
Portuguesa e desapareceu definitivamente», lamentava o semanário O
Jornal, uns anos mais tarde, num artigo consagrado à rede Gládio.
A existência de relações
entre a estrutura da Aginter Press e as organizações de extrema-direita italiana,
em particular, a Nova Ordem, foi confirmada durante as investigações realizadas
pelos membros da Comissão de Extinção
da PIDE/DGS a partir de parte do material encontrado na sede em Lisboa.
Um
documento revelador da natureza e ação da Aginter é uma carta de intimidação
remetida a antifascistas na década de 60. Essa carta ostenta a figura de um
capacete romano com a palavra Gladius, e é subscrita por «Os
Centuriões». Dela destacamos as seguintes passagens: «Somos Cem.
Poderíamos ser milhares a afirmar a Nação e defendê-la dos Abutres e dos
Traidores: dos abutres de fora; dos traidores de dentro. - Para afirmar a Nação
e defendê-la dos Abutres seremos dezenas de milhar. Para defender a Nação dos
traidores somos Centuriões regressados de Angola, Moçambique e Guiné.
Condenamos a traição que o governo e os seus órgãos não conseguem reprimir por
meios legais. Somos cem que vimos tantas vezes a morte de perto que ela se
tornou familiar. A morte será a nossa arma contra a traição!».
Não
obstante uma boa parte dos seus membros já tivessem prestado serviços em
diversos bandos anticomunistas de vários países nos anos anteriores, a Aginter
Press nasceu oficialmente em Lisboa em Setembro de 1966. Os seus fundadores
foram motivados por temerem ações internas. O ditador Salazar e a PIDE temiam a
desestabilização do regime, tendo, assim, apelado à Aginter Press para a sua
instalação e ação em Portugal e colónias.
Com
instalações em França, Itália, Espanha, Portugal e Alemanha Ocidental, a Ordem
e Tradição editou regularmente um boletim de informações com o mesmo
nome, enviado a todos os seus seguidores. Como subtítulo afirmava, «veritas
ubique», e o seu lema era: «melhor acender uma pequena vela do que
maldizer a escuridão». Os boletins eram impressos em Dieppe, França.
Por coincidência a sede francesa da Aginter Press também tinha a mesma morado
do impessor: Rue de la Republique, nº53, na casa de Joseph Vannier.
A
Aginter Press possuia correspondentes em Bona, Buenos Aires, Genebra, Saigão,
Roma, Tel Aviv, Washington, Estocolmo e Taipé.
Os
seus agentes tornavam-se, frequentemente, auxiliares da PIDE executando missões
em África, recrutamento de mercenários e, por vezes, assumiam-se eles mesmos
como mercenários. Em França, além do seu trabalho de informação sobre a
esquerda e a extrema-direita, o correspondente da Aginter era encarregado de
espiar os emigrantes portugueses (cerca de um milhão entre os anos sessenta e
setenta), em particular os opositores do regime de Marcelo Caetano e os
dirigentes da esquerda nacional exilada nesse país. Tudo em estreita
colaboração com os agentes da PIDE infiltrados na emigração portuguesa.
Em
Angola, Moçambique e Guiné os homens da agência desempenhavam missões de
espionagem ou de provocação. Alguns estavam infiltrados nos movimentos de
libertação, outros nas tropas portuguesas, onde agiam por conta da PIDE.
Em
Portugal os homens da Aginter eram particularmente ativos. Documentos
descobertos na sua sede mostram que, na véspera do 25 de abril, duas «operações
pontuais» estavam em preparação: um rapto, que deveria acontecer num café de
Lisboa, e um assassinato em Villa Franca de Xira. Gozavam da proteção do Governo e da
estrutura da PIDE. Como forma de justificarem o nome por que se designavam –
Aginter Press – tinham um programa de propaganda na Emissora Nacional, com o
título: «Voz do Ocidente», e colaboravam, ideologicamente, com jornais de
extrema-direita como o Agora e o Vanguarda, entre outros.
«A existência em Portugal de
exércitos secretos próximos da CIA e da NATO foi revelada pela primeira vez em
1990, no seguimento da descoberta da Gládio italiana. Em Portugal, uma rádio
lisboeta noticiou que tinham sido utilizadas células duma rede associada à
Operação Gládio durante os anos cinquenta para apoiar a ditadura de extrema-direita
do Dr. Salazar».1
NOTA
1.
Palmer, Jonh, "Undercover NATO Group 'may have
had terror links'", The Guardian
de 10 Novembro 1990.
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